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Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

30 junho 2006

A bandeira conspurcada

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Andou o “Expresso” semanas a fio a anunciar-se a si próprio, estampando páginas inteiras da sua edição em papel com a promessa de oferecer aos seus leitores, a 10 de Junho e como forma de apoio à Selecção Nacional de futebol, uma bandeira de Portugal em tamanho gigante. Uma parceria do “Expresso” com o Banco Espirito Santo, frisou-se até à exaustão.

Louvável e pedagógica iniciativa. Cheios de macaquinhos no sótão da História, ao longo dos últimos trinta anos fomos associando bandeira e hino a uma ideologia de repressão e terror. Amar Portugal, respeitar a bandeira, encher os pulmões de egrégios avós passou a ser sinónimo de corruptor das liberdades conquistadas em 25 de Abril de 1974, coisa de velhos jarretas que renegam o devir. E como santos da casa não fazem milagres, foi preciso um brasileiro atravessar o Atlântico para que constatássemos o óbvio: nem a bandeira nem o hino nasceram na forja da ditadura! Pelo contrário: nesses símbolos nacionais está inscrito o amor dos povos à liberdade e ao progresso (ver abaixo) e parte significativa de uma História que, boa ou má, é a nossa – e que é, juntamente com a Língua, a argamassa da nossa identidade como Nação. Por isso, deixemos as novas gerações erguer os olhos para as quinas, sem complexos nem falsos triunfalismos.

Neste contexto, sendo o “Expresso” um jornal de referência, seria de esperar o máximo cuidado possível na concretização desse projecto. O "Expresso", contudo, parece não dispor já da força anímica para escapar ao "ar do tempo", ao desleixo e ao vale-tudo contra os quais não se cansa de perorar nas suas páginas. Uma autêntica “Maria vai com as outras”; uma menina bem prendada e cheia de públicas virtudes, mas que está sempre a ver o pé fugir-lhe para o chinelo dos vícios privados.

Com efeito, a bandeira oferecida é indigna e uma ofensa a todos os portugueses. É uma bandeira conspurcada de incúria e ganância. Para começar, os castelos reais de uma bandeira real têm três torres e os escudos com as quinas são arredondados na parte inferior. Na oferta, existem ameias e escudos quadrados. Encomenda “made in China”? Sinceramente, espero que não, já que o jornal é um paladino da excelência dos produtos nacionais…

Depois, aquela bandeira não é a bandeira de Portugal. É, pura e simplesmente, a bandeira do "Expresso" e do Banco Espírito Santo. Está lá, no canto inferior direito, com todas as letras e mais alguns gatafunhos. Por mim, se não fosse uma carga de trabalhos, remeteria o objecto à procedência com uma pequena nota: "Rejeitada por defeito de fabrico". Só não veria quem não quisesse!

Protestei! Na volta do correio, chega-me a estapafúrdia resposta de que “toda esta acção, longe de ser mascarada, foi amplamente anunciada como sendo uma iniciativa conjunta do Expresso e do Banco Espírito Santo com o objectivo de incentivar o apoio de todos os portugueses à nossa selecção. Em nenhum momento quisemos com esta iniciativa desrespeitar os símbolos nacionais e continuamos a considerar que não o fizemos.”

É preciso ter lata! Nunca, em momento algum, a publicidade mostrava a pouca-vergonha que depois se viu. E mesmo que, sobre a parte da bandeira reproduzida, estivesse impressa publicidade, nenhum indivíduo bem formado e na plena posse das suas faculdades cognitivas ia imaginar que, na bandeira real, se escarrapachassem os patrocinadores da iniciativa. Era, realmente, coisa que estava para além da imaginação do comum dos mortais - excepto, claro!, para os "criativos" que vendem a alma ao diabo por uma ideia. Tão boa, tão boa, mas tão boa que ficam a olhar para o seu umbigo e a babar-se de orgulho, naquela atitude tão "soixante-huitard" tardia de que tudo é permitido desde que seja absolutamente criativo, inovador, provocante. E de óbvio mau-gosto. Último recurso de quem não tem inteligência que lhe permita expressar a sua criatividade sem ofender nem enxovalhar...

Se Lavoisier voltasse a este mundo, teria que alterar a sua célebre frase. De "Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" para "Tudo se regateia, tudo se vende, nada se respeita". Espero, pois, que um pouco de lucidez e menos cifrões iluminem o caminho dos responsáveis do “Expresso”! E que não seja este o travejamento moral que queremos legar às nossas crianças. Apoiar a Selecção Nacional não é andar a escarafunchar no "bas fond" dos negócios e pregá-los na bandeira que é de todos nós!

(1) - Um pequeno aparte para vos informar que, segundo me contou um amigo meu, um vendedor ambulante, na posse de bandeiras portuguesas com publicidade a electrodomésticos, viu o seu material apreendido pela polícia, chamada por cidadãos compreensivelmente indignados. E, se houve apreensão de material pelas autoridades, estas tiveram que se fundamentar nalguma lei ou norma legal. Se este modesto comerciante não está acima da lei, porque diabo hão-de estar o "Expresso" e o Banco Espírito Santo? Imagine-se só a mesma situação a ocorrer, por exemplo, nos Estados Unidos da América!...

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

Simbologia da bandeira portuguesa

Bandeira instituída em Novembro de 1910, pouco depois da implantação da República em Portugal (5 de Outubro de 1910)

Verde: O verde no ideário positivista e republicano (séculos XIX e XX), simboliza as nações que são guiadas pela ciência. Na versão popular simboliza a esperança no futuro.

Vermelho rubro: O vermelho é a cor das revoluções democráticas desde o século XVIII percorreram a Europa, como a revoluções de 1848, a Comuna de Paris (1871) ou a revolução republicana em Portugal de 31 de Janeiro de 1891. Simboliza a luta dos povos pelos grandes ideais de Igualdade, Faternidade e Liberdade. Na versão popular simboliza os sacrifícios do povo português ao longo da sua história.

Esfera armilar: Emblema do rei D. Manuel I (1469 -1521) e que desde então esteve sempre presente nas bandeiras de Portugal. Simboliza o Universo e a vocação universal dos portugueses. Na versão popular simboliza os descobrimentos portugueses.

Escudo: O Escudo de Armas remete para a fundação de Portugal. Simboliza a afirmação da cultura ocidental no mundo, e em particular dos seus valores cristãos. Os castelos, quinas e os besantes evocam conquistas, vitórias e lendas ligadas à fundação de Portugal por D.Afonso Henriques (1109-1185).
Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

29 junho 2006

Homo publicitis

Ou como a publicidade não tem, necessariamente, que ser alarve, acéfala ou ofensiva, tratando-nos como se fôssemos cães de Pavlov!

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Valeu a pena perder uns minutinhos, não?

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

28 junho 2006

Cartão vermelho!

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O primeiro toque na bola, e um mar de pernas a correr para a nossa baliza, e o suor já a escorrer em bica para o soalho, e a bola a rasar o poste esquerdo, e o coração aos saltos por causa do puto, e os impropérios ao árbitro que se esqueceu do cartão vermelho no bolso, e as mãos a desalinharem cabelos, e o Maniche a furar as redes laranjas, e onde foi parar o comando?, e van der Saar ainda não acredita que a história se repete, e olhos no maldito cronómetro que ainda vai nos 23 minutos, e o Pauleta que teve o segundo nos pés, e as lágrimas do Ronaldo feitas nossas, e o beija-mão de Costinha à bola, e ai que agora é que está tudo perdido!, chichi e litradas de água para empurrar um calmante, e eis que recomeça o jogo, e aquela bomba à trave das nossas almas, e abrem-se as bocas de espanto pela sorte que nos calhou, e o tempo que teima em vagares, e mais uma defesa do Ricardo, e o jantar que quer ruminar-se, e o árbitro que perde as estribeiras e se põe a encartar metade dos jogadores, e tenho de me queixar à farmácia da porcaria dos calmantes, e a laranja mecânica com areia na engrenagem!, e as bolas a socarem o Ricardo, e os minutos emperrados, e as molas do sofá que choram connosco, e a respectiva cobertura feita rodilha, e eu que já não sei se olhe para a bola se para o relógio, e os tugas no relvado a revelarem-se samurais, e ainda seis minutos de descontos, e mudo de canal porque já não aguento e comigo o meu coração, e mudo de novo para o jogo à espera de desgraça, e ainda ganhamos, e o tempo que não corre, e regresso ao outro canal, e desando para o jogo, e a tremideira é tal que prego com o comando no chão, e está agora no canal não sei quantos, e os dedos não acertam com o jogo, cá está!, que aconteceu?, e só vejo um montão de camisolas brancas abraçadas e aos saltos, e morro ali mesmo..., mas aquele ali não é o Felipão?, e não é mesmo!?, e o Ricardo que grita de alívio ajoelhado.., GANHÁMOS!, e afundo a exaustão no sofá, lágrimas esquecidas no fundo dos olhos..

Por esta comunhão de sofrimento e angústia entre jogadores e público, merecíamos comemorar com eles relvado fora, em correrias, abraços, gritos do ipiranga, choros desalmados entre a toalha do Eusébio e a Virgem do Caravaggio, a loucura feliz nas bancadas e nas ruas de Portugal (pois, que as pessoas também têm direito a pequenos goles de felicidade, ao contrário do que teimam certos iluminados lá do alto da auto-suficiência da sua sabedoria…). Merecíamos tudo isto e muito mais! E que nos deu a SIC? Numa palavra: lixo! Entre um sabonete e um pacote de "corn flakes", o desprezo total pelos jogadores, pelos portugueses e pelo País!

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Cartão vermelho directo, pois claro!

Fiquem bem. Vemo-nos por aí…

23 junho 2006

Santa paciência!

Lembrai-vos do “puzzle” de animais? Aquela amálgama de diferentes formas de habitar este planeta que, disse eu, é também um nosso auto-retrato? Eu, grunho e de mau olhar, não consegui ir além dos vinte e poucos animais... Pois o Pedro Freitas, com paciência de chinês, catrapiscou-os a todos e ainda se deu ao trabalho de desenhar setinhas a indicar-me os caminhos da minha ignorância!... Eternamente agradecido, Pedro!

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A imagem está reduzida para caber no espartilho gráfico deste blog. Como é de boa qualidade, podeis copiá-la para o PC e ampliá-la. De qualquer modo, a imagem original que o Pedro me enviou está no seguinte site:

http://i2.photobucket.com/albums/y3/Fotolover/bioconfuso.gif

Divirtam-se! Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

20 junho 2006

Crise...

A crise anda por aí… É a palavra da moda; o “sound byte” que, tal como uma antiga pasta dentífrica, anda na boca de toda a gente. Não consta, no entanto, que dê força aos dentes – quanto muito, à má-língua, à rabujice crónica, ao desfatio que nos transforma a vida no muro das nossas lamentações. Cada contrariedade, cada encruzilhada existencial, cada retrato do mundo que não bate certo com o nosso e eis-nos à beira de um ataque de… crises! De valores, de identidade, política, económica, social, ecológica e mais umas quantas que não consigo verbalizar. O cardápio completo. É só escolher. Há de tudo, como num bazar de Istambul. E se não encontramos, é porque não existe!

Eu, permitam-me confessar-vos, estou nessa onda. A minha angústia, porém, é mais pessoal e, sorte a nossa!, mais limitada nos estragos. Estou com uma crise de criatividade. O que, em português castiço, significa que não dou uma para a caixa. Da escrita. Do “blog”. Como se andasse a vampirizar-me a mim próprio. Miguel Ângelo e E.T. deixaram-me exangue, desnorteado, as meninges em curto-circuito. Quero escrever, sinto necessidade de me reencontrar através da palavra, anseio partilhar-me convosco. E nada acontece, a não ser a agonia do guarda-redes no momento do “penalty”. A frustração de um cursor a gargalhar num monitor teimosamente em branco. A secura de emoções, o vazio de sentimentos, as ideias que não me escorrem dos dedos para o teclado… Defender este “penalty” é quase uma questão de vida ou de morte. É neste “blog” que me reinvento e, desse modo, arranjo uma boa razão para me levantar da cama todas as manhãs, a expectativa de um texto de boa cepa a alimentar-me o corpo.

A bola está na marca de grande penalidade. Ronaldinho avança, bate com o pé direito, bola para um lado, guarda-redes para o outro e... goooooolo!

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Pois! Decididamente, tenho de começar a pensar na reforma.

Fiquem bem. Vemo-nos por aí…Se calhar!

09 junho 2006

No princípio, foi o pecado...

Em 1508, por encomenda do Papa Júlio II, Miguel Ângelo iniciou uma das suas obras mais grandiosas – a decoração do tecto da Capela Sistina, no Vaticano. Doze frescos e muita tinta depois, Miguel Ângelo chegou a um dos mitos mais poderosos da cultura ocidental e deu-nos este O pecado original e a expulsão do Paraíso (1509-1510).

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Porquê esta demora? Em primeiro lugar, é preciso não esquecer que Miguel Ângelo é, acima de tudo, um escultor. Antes desta encomenda papal, contam-se pelos dedos de uma mão os quadros que dele se conhecem. Perante a importância do tema a abordar, é natural que tenha decidido ganhar experiência, alterando a cronologia bíblica e ocupando-se primeiro de outros temas. Tanto mais que a abóbada da Capela Sistina se encontra a uns bons 20-30 metros de altura e, para que as cenas sejam visíveis do solo, é necessário um bom domínio da perspectiva e da composição pictórica. De facto, observando os frescos anteriores, verifica-se um progressivo domínio do espaço, do traço e da cor, até atingir a profundidade e monumentalidade deste O pecado original e a expulsão do Paraíso.

O que mais impressiona neste fresco é a combinação, num só plano, de dois momentos distintos sem que haja qualquer descontinuidade espacial ou temática. Nesta história, há claramente um antes e um depois, há a tentação e há o tempo de sofrer as consequências desse acto.

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O momento da tentação é particularmente rico em pormenores. Um dos mais surpreendentes é a própria figuração do pecado. A serpente não é representada como tal, nem só com cabeça de mulher, mas sim com corpo feminino que encontra o seu reflexo na posição reclinada de Eva, a sugerir a sensualidade e o erotismo habitualmente associados ao pecado. Miguel Ângelo, contudo, baralha os dados e distribui a culpa por todos: Adão, ele próprio, ergue-se para colher o fruto da árvore proibida em vez de apenas aceitar a maçã das mãos de Eva. Aliás, basta olhar para aqueles corpos para perceber isso mesmo: são corpos com músculos, com carne, com volume – são corpos com vida, que despertam o desejo, o erotismo, o amor talvez! Ou será por acaso que Adão se parece tanto com Apolo, o deus grego do amor?

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Depois, é o castigo por desobedecerem a Deus. Adão e Eva são expulsos do Paraíso pelo anjo, simbolizando aqui a vingança, que parece surgir da árvore – tal como a serpente!

Adão e Eva são expulsos para onde? Para uma terra nua e fria. E aqui revela-se o génio de Miguel Ângelo: os dois momentos da história estão no mesmo plano da pintura, sugerindo uma continuidade no tempo e no espaço. E como consegue isso? Simplesmente prolongando o céu e a terra para a direita da composição.

Essa terra nua e fria contrasta claramente com o espaço do Paraíso, um espaço acolhedor marcado pelo tronco da árvore, pela ramagem e pelas rochas. O conjunto sugere claramente uma “casa”, um abrigo, significando isso a protecção divina. Pelo contrário, fora do Paraíso há apenas espaço vazio. E é esse o castigo: Adão e Eva ficaram entregues a si próprios, sem o amparo e a protecção de Deus. As consequências do pecado são bem visíveis nos seus rostos envelhecidos e sofredores, nos seus corpos quase sem vida, no gesto de auto-protecção de Eva. Mas, afinal, Miguel Ângelo tem piedade dos seus personagens, tanto mais quanto ainda lhes resta um pouco da inocência primitiva: a habitual folha de parreira a tapar o sexo de Adão ficou na árvore!

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

08 junho 2006

O FILME DO DIA - Imperdoável

Imperdoável/Unforgiven (EUA, 1992, cor/2.35:1, 131m, 5) de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Morgan Freeman, Gene Hackman, Richard Harris, Frances Fisher (Canal Hollywood, 21h00).

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Em 1992, quando estreou, este Imperdoável fez figura de OVNI. No meio da parafernália dos efeitos especiais e das comédias idiotas para adolescentes, aparecia um filme erguido sobre os cânones clássicos: primado dos actores, argumento sólido, planos que respiram o tempo suficiente para nos irmanarmos com a trama do filme, no mais clássico dos géneros do cinema americano. O “western”, pois claro! Só que, entretanto, tinha acontecido a guerra do Vietname, o Golfo Pérsico continuava em chamas e a Rússia abeirava-se de um ataque de nervos. E, é bom não esquecer, Sam Peckimpah tinha assinado a certidão de óbito dos heróis impolutos e idealistas com Os pistoleiros da noite/Ride the high country (1962) e A quadrilha selvagem/The wild bunch (1969).

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Nesta perspectiva, Imperdoável não podia ser senão a descida aos infernos que é. O que sabemos de William Munny (Clint Eastwood) resume-se ao melancólico plano de abertura: uma casa na pradaria, dois filhos, uma árvore sob a qual ergueu a campa da esposa. E, a bordejar o horizonte, o Sol no esplendor do ocaso. Sabemo-lo depois, quando uns canalhas espancam uma prostituta e, perante a bonomia de um xerife tão violento e despido de ética como os agressores, lhe vêm pedir que faça de anjo vingador, William Munny foi também um caçador de prémios. Mau como as cobras! O passado, por muito que se o atire para trás das costas, arranja sempre maneira de nos encurralar. William aceita esta “missão”, uma orgia de violência que é não só um ajuste de contas com o passado como a derradeira hipótese de redenção. E, neste tempo sem heróis, quando a poeira assenta e se varre o sangue das ruas, já não há silhuetas a bordejar o ocaso. Há uma casa na pradaria a que se regressa!

Obra-prima absoluta de Eastwood, Imperdoável ganhou quatro “Oscars”: melhor filme, melhor realizador, melhor actor secundário (Gene Hackman) e melhor montagem.

Outras sugestões:
- A mão que embala o berço/The hand that rocks the cradle (EUA, 1992, cor/1.85:1, 110m, 4) de Curtis Hanson com Annabella Sciorra, Rebecca De Mornay, Matt McCoy, Ernie Hudson, Julianne Moore.
- Lolita (EUA/GB, 1962, pb/1.66:1, 152m, 5) de Stanley Kubrick com James Mason, Shelley Winters, Sue Lyon, Gary Cockrell, Jerry Stovin.
- Alice (EUA, 1990, cor/1.85:1, 102m, 5) de Woody Allen com Mia Farrow, Alec Baldwin, Blythe Danner, Judy Davis, William Hurt, Joe Mantegna, Cybill Shepherd.

Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

06 junho 2006

O FILME DO DIA - E.T. - O extraterrestre

E.T. – O extraterrestre/E.T. – The extra-terrestrial (EUA, 1982, cor/1.85:1, 120m, 5) de Steven Spielberg com Henry Thomas, Dee Wallace, Peter Coyote, Robert MacNaughton, Drew Barrymore (M6, 16h10m).

“Ele tem medo. Ele está só. Ele encontra-se a três milhões de anos-luz de casa!”

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Não me acontecia desde o Bambi. Nessa tarde de Outono, enquanto a cortina negra deslizava sobre o ecrã, as luzes da Sala 1 dos Alfas a acenderem-se e os meus colegas do Valsassina impacientes para debandar, fingi uma sessão de espirros e fungadelas - estas verdadeiras. Aos 19 anos, voltara a chorar baba e ranho no cinema! Sorte a minha, o John Williams ter queda para espaventosas sonoridades...

Tal como a maioria dos filmes de Spielberg desde Asfalto quente (1974), E.T – O extraterrestre constrói-se sob o signo da família, do regresso ao lar e da dor da separação. Família perdida – a de E.T., obrigada a abandoná-lo na Terra para escapar aos caçadores de OVNI’s –, família em sofrimento e ruptura no digerir de um divórcio e a braços com a ausência do pai - a de Elliott, o rapazinho que o acolhe.

Spielberg estabelece, logo de início, um elo entre os garotos e o pequeno ser que sai da floresta e desce a colina atraído pelas luzes da cidade. Há desorientação e angústia, há um tremendo vazio que urge preencher. Elliott, também ele, principalmente ele, sente-se abandonado, incompreendido, posto à margem (o jogo em que Michael, o irmão mais velho, não o deixa entrar), o moço de recados que apenas serve para ir lá fora esperar pela “pizza” que os outros encomendaram à revelia das suas preferências. Por isso, escuda-se atrás de um forte individualismo, de um quase inocente desprezo pelos sentimentos alheios – chama “cara de pénis” ao irmão, não poupa a mãe à recordação de que o pai partiu com a amante para nunca mais voltar.

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A “pizza”, claro!, é o que Hitchcock chamava de “macguffin”: não interessa para nada, só lá está como pretexto para meter o filme nos carris, mão invisível a entrelaçar destinos. É quando a vai buscar que Elliott ouve ruídos nas traseiras. A luz do barracão das ferramentas, entremeada na neblina, devolve-nos à infância, aos contos de fadas onde tudo é possível. Uma bola atirada, uma bola devolvida. Primeiro susto e primeiro veredicto: coiotes, é a opinião de Michael. Mas um coiote não pode atirar bolas, sente o garoto. E, nessa madrugada, Elliott voltará ao quintal, seguirá um rasto e segundo susto. Ele e E.T. aos berros, o retorno à floresta De crocodilo a gnomo, todas as hipóteses são postas em cima da mesa - nessa cozinha em que, desesperados, procuramos a voz conciliadora de um pai ausente.

Ao espalhar “Smarties” pelos bosques, como engodo, Elliott está a obedecer ao seu coração. Tão grande, sabemo-lo agora!, que o faz dormir no quintal, cobertor no corpo, lanterna na mão, a esperança como companhia. E o milagre acontece! Numa das mais belas sequências do filme, Elliott acorda com um restolhar e dá de caras com E.T., nascendo da luz e da momentaneamente serena partitura de John Williams. Entre o pânico e o deslumbramento, o seu corpo queda-se por ali. E, quando E.T. lhe deposita “Smarties” aos pés, já não restam dúvidas de que essa é uma dádiva de amizade e de paz.

E são os “Smarties”, perene símbolo da infância, que levam E.T. até ao quarto de Elliott. Que, num impulso paternal, o cobre com uma manta. Primeiro frente-a-frente, olhos nos olhos da descoberta. De quem eu sou e de quem tu és. Gestos que ecoam no outro (esfregar o nariz, mexer um dedo, acenar), emoções que se partilham. Ao reconhecer-se na diferença, Elliott deixa cair a máscara e abre-se para nós num dos mais belos sorrisos da história do Cinema. A solidão foi vencida e, pela primeira vez desde o início do filme, Spielberg faz com que duas personagens dividam entre si o centro do ecrã. A partir daqui, E.T. e Elliott serão a mesma pessoa, sentirão os sentimentos um do outro, sonharão os sonhos um do outro, viverão as alegrias um do outro, chorarão as dores um do outro. De batráquio humanóide que nem sequer sabemos se tem alma, E.T. é, agora e para sempre, a nossa imagem no espelho!

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Longe de casa, num planeta inóspito, E.T. revela-se, também, a argamassa que vai unir os três irmãos. Na cumplicidade do segredo, nos saberes que se trocam, na difícil carpintaria do viver, na aquisição da palavra como ponte para o pleno entendimento. Claro que há bolas de plasticina que rodopiam no ar como um sistema solar, flores murchas a arrebitar, uma ferida que se cura pelo toque do seu longo e luminoso dedo. Mas é o uso da linguagem articulada que, definitivamente, entranha E.T. no coração daqueles garotos. Por isso, tudo vão fazer para que regresse a casa. “E.T. phone home, E.T. phone home!”: ele quer partir, ele tem que partir ou é morte certa, a sua resistência ao nosso ambiente a atingir o limite.

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O que acaba por acontecer, apesar dos esforços de médicos e cientistas que, descobrindo-o em casa de Elliott, já moribundo, o reclamam em nome da Ciência. “Ele veio ter comigo! Ele veio ter comigo!”, chora o garoto, enquanto ambos definham ao compasso de agulhas e electrochoques. Apesar disso, E.T. é capaz ainda do derradeiro sacrifício, ao quebrar o elo que o unia a Elliott, ao negar a vida para a devolver ao outro.

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E, quando tudo parece perdido, quando a solidão regressa pujante, quando os tons de cinzento contaminam a soberba fotografia de Allen Daviau, mais uma vez é o amor que triunfa. Destroçado, junto à urna frigorífica onde jaz E.T., Elliott confessa-se: “Olha só o que te fizeram. Deves estar morto, porque já não sei o que sentir. Já não consigo sentir nada... Já foste para outro sítio. Acreditarei em ti toda a minha vida. Todos os dias. E.T., amo-te!” E, nesse momento, o coração de E.T volta a iluminar-se, tal como víramos no início do filme. As flores vicejam, Elliott grita de alegria, E.T. quer à viva força “phone home”. Depois, todos a temos plasmada à memória, é essa louca corrida de bicicletas, por terra e pelos ares, que leva E.T. ao ponto de encontro com os seus, na floresta.

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A luz, pulsando na alma de E.T e jorrando da nave, mais do que a urgência em conhecer os mistérios do universo, simboliza a nossa necessidade de amar e ser amado, de proteger e ser protegido. Nessa hora do adeus, entre um “Fica” e um “Vem” impossíveis de cumprir, quando abraça Elliott e lhe diz, tocando-lhe com o dedo na cabeça, “Eu estarei aqui!”, E.T. é já o substituto do pai que partiu. E, atrevo-me a dizê-lo, émulo daquele homem que calcorreou a aridez da Galileia, há dois mil anos...

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Sei que já falei demais e, provavelmente, roubei-vos o prazer de reverem o filme. Por isso, só mais umas notas rápidas:

1 – A luz é, a par da família, o mais recorrente dos temas na filmografia de Spielberg. Simboliza o bem, a pureza de sentimentos, até mesmo o toque do divino nas nossas vidas. E luz é o que mais abunda neste filme, desde esse plano inicial do céu estrelado. Na nave alienígena, nas lanternas que perseguem E.T., na cidade que o atrai. A luz, filtrada pelos estores, banha a casa de Elliott como num quadro de Vermeer ou Franz Halls. Há um Sol e uma Lua descomunais. E, no fim, há esse rasto da nave transformado no arco-iris da união de todos os povos.

2 – E.T. – O extraterrestre é, obviamente, uma homenagem à infância. Lá estão as bicicletas, as brincadeiras de Halloween, os livros de banda desenhada donde E.T. retira a ideia do transmissor, etc. Mas é, também, um tributo ao cinema: na TV, vamos vendo imagens de filmes de ficção científica dos anos 50 e dessa obra-prima de John Ford, O homem tranquilo.

3 – Os actores que dão vida aos três irmãos roçam a excelência, vivendo aquela história como real. De facto, Spielberg resolveu filmar em continuidade, sem saltos ou retrocessos no guião, de maneira que os garotos foram desenvolvendo as suas emoções à medida que a história deslizava e, no fim, E.T era já de carne e osso. E, se necessário fosse, Spielberg provava aqui a sua genialidade: contido nas cenas mais íntimas, feérico na aventura.

4 - E, finalmente, quero tirar o chapéu à partitura de John Williams. Caso raro, a banda sonora de E.T. é composta, não de temas isolados, mas por uma ária única de que vamos ouvindo trechos ao longo do filme e que, finalmente, explode na alegria de uma bicicleta que levanta voo rumo à Lua. De melíflua e ameaçadora ao princípio, fecha com uma orgia operática de felicidade e esperança num mundo melhor, aquando da subida da nave aos céus.

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Quase vinte e quatro anos volvidos sobre essa tarde de Outono em que o acolhi em cada fibra do meu corpo, E.T. – O extraterrestre não ganhou uma ruga, não perdeu o brilho no olhar. Cada vez que o ponho no leitor de DVD's, um vale de lágrimas corre-me pela sala. Continua o filme mágico, comovente, terno e divertido que nos arrebatou e nos devolveu o prazer da infância. É por isso, por fazer apelo ao que de melhor há em nós, que merece continuar a ser infinitamente amado! E que devia ser visto e revisto nas nossas escolas: funciona melhor do que mil discursos contra o racismo e a intolerância.

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P.S. – Podem ir até http://www.imdb.com/ e, na pesquisa, escrever “E.T.” e, depois, clicar em “Photos”. As saudades também se matam assim...

Outras sugestões:
- Casablanca (EUA, 1942, pb/1.37:1, 102m, 5) de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Conrad Veidt (TCM, 20h00). Nem imaginam a dificuldade que tive em preterir este mítico filme a E.T., como filme do dia. Fica para a próxima.
- O sargento de ferro/Heartbreak Ridge (EUA, 1986, cor/1.85:1, 130m, 4) de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Marsha Mason, Everett McGill, Moses Gunn, Eileen Heckhart.
- Poltergeist – O fenómeno/Poltergeist (EUA, 1982, cor/2.35:1, 114m, 4) de Tobe Hooper e (não creditado) Steven Spielberg com Craig T. Nelson, JoBeth Williams, Beatrice Straight, Dominique Dunne, Oliver Robbins

Com um fraterno abraço, dedico este “post” ao Ricardo Morais-Pequeno, irmão de armas nos corredores da Faculdade e da vida. Parabéns pelos 39 anos, companheiro!

Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

01 junho 2006

Deixem-me sonhar...

Deixem-me viver o sonho feliz que trago nos olhos...

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Imagine

Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
Living for today...

Imagine there's no countries,
It isn’t hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
Living life in peace...

Imagine no possessions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of man,
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I’m a dreamer,
But I’m not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.

(John Lennon, 1971)

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(Criança cambojana procura comida e plásticos para vender numa lixeira de Pnom Pen)

Nada posso acrescentar a este hino de Lennon ou ao que escrevi nos meus textos sobre a erradicação da fome infantil – e que vale para todas as poucas-vergonhas que temos vindo a semear mundo adentro. Seria redundante, seria presunçoso, seria inútil. Quero apenas recordar que nem só de grandiloquência vive o Homem. Pequenos gestos podem fazer a diferença entre lágrimas e sorrisos, entre olhos que espreitam o infinito e bocas famintas a vasculhar lixeiras. Por exemplo: 60 euros por ano é quanto custa tirar uma criança timorense das escolas-barracas da ajuda humanitária e pô-la a estudar na Escola Portuguesa de Dili (1). Discriminação? Pois é! Pior será ficar de braços cruzados, à espera da terra prometida das igualdades impossíveis...

1 – Já agora e sem querer fazer demagogia barata: alguém me explica, como se eu fosse uma criança de quatro anos, porque diabo os soldados e os funcionários da ONU em Timor recebem 100 dólares por dia de ajudas de custo e um timorense com a tremenda sorte de ter um emprego ganha 6 dólares por semana? E assim vamos abrindo a cova onde havemos de nos enterrar...

www.unicef.pt
www.amnistia-internacional.pt

Sem desprimor por todas as crianças do mundo, seja-me permitido dedicar este “post” aos meus primos David, Elisa, Ana Rita e Filipe. Que cresçam felizes!

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...