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Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

23 julho 2007

Antes do blog (1)

Retornar a estas lides está a revelar-se bem mais custoso do que pensava. Esquecido do que a casa gasta, convenci-me de que bastava pousar os dedos no teclado e que um qualquer deus lhes puxaria os cordelinhos. Por vezes resulta! Só que convém não abusar da sorte e começar a transpirar um pouco. Muito, quero eu dizer. Soprar para longe as teias de aranha que me toldam o sentir, esse repuxo cristalino donde jorram as palavras. Porque o escriba é, acima de tudo, um espelho do mundo, um trovador das suas alegrias e misérias. Vencer o gargalhar do cursor é plasmar às meninges esses abismos da alma, mastigar cada angústia e inquietação, escutar o fragor da vida lá de fora e cravá-lo na massa da vida cá de dentro. Depois, é soltar esse touro na arena, torrencial e feérico, as palavras a acontecerem a cada resfolgar! Com querer e método, porém. Não desistir à primeira “branca”, arrancar cada frase a ferros suados até ao miolo. Labutar horas a fio, mesmo que isso implique desistir de outros prazeres. Escrever linhas inteiras e ousar lançá-las ao lixo, na certeza do próximo voo da Fénix! E, já que respiro Cinema por todos os poros, talvez não fosse má ideia habituar-me a fazer um guião de cada “post”, com ideias bem alinhavadas e um plano de obras bem delineado, em vez de fazer finca-pé na geração espontânea...

Acho que sempre andei de braço dado com a escrita e com esta vontade de me dar aos outros. De fábrica, portanto! Dizem-me que era cada papel sua sentença, deixados em cada canto e religiosamente engavetados pela minha mãe. Não sei. Talvez a memória das coisas mais longínquas só permaneça quando se refaz em chagas que nos molestam corpo e espírito. Ou talvez não! Seja como for, destas minhas danças com as palavras, a mais distante recordação a que consigo chegar é a de um raspanete por causa de uma redacção na terceira classe. Acho que sobre D. Afonso Henriques e a conquista de Lisboa.

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Lá fora, agoirentos, os pinheiros agitavam-se na espuma do Inverno. Perdido na carteira, entretinha-me a fazer rolar a borracha entre os dedos enquanto bichanava com o Zé Manel. O Quim Pedro, ao chamamento da professora, correu a ir buscar um “bom+”. Na ordem dos assentos escritos a letra miudinha, a seguir calhava-me a vez e já me punha em pé quando percebi que a coisa estava preta! O nome a seguir e o outro... e o outro. Do Jorge nem eco. Ainda me pus a balbuciar um “ó stora”, mas tudo o que consegui foi um ordeiro arquear de sobrancelhas a pregar-me à carteira até ao fim da aula. Que, quando chegou, não foi para todos. De pé, do lado de cá da enorme secretária, por companhia apenas as sombras dos pinheiros desenhadas no soalho, não sei quantas vezes a professora me perguntou donde é que tinha copiado a redacção. Provavelmente, as mesmas que arregalei os olhos de espanto, incrédulo perante a descrença do mestre no discípulo. E ali lhe jurei, a pés juntos e a cada descompasso do coração, que era tudo meu, muito meu, bebido nas lições que dela própria tinha ouvido e depois confirmado nalgum livro muito lá de casa!

Sai para o almoço com um “Muito bom” nos bolsos. Mais um cromo para a gaveta dos tesouros da minha mãe, que continuou a encher-se com o rolar dos anos. Uma aventura intelectual que se fez madura sob o olhar duro mas generoso do Dr. Pinto da Silva – e a ele um dia voltarei, fica prometido! Ele que, no momento de pespegar o máximo de pontos na terceira página da folha de teste, só lamentava que “pega sempre no tema dos argonautas”, como me recordo de ler a vermelho corrido por alturas do 8º ano, quando andava de nariz no ar à procura de OVNI’s e descarregava em letra nervosa a frustação desses encontros por cumprir... Seria interessante, hoje, reler essas ingénuas e descosidas estórias, a maior parte escritas ao sabor do tempo que faltava para tocar. Mas também eu tive a minha Dunquerque! Naquele Agosto de há vinte e um anos, entre destroços de uma vida inteira a que disse adeus enquanto me voltava para trás e via o portão verde desaparecer entre os contrafortes do Montejunto, não me despedi (para sempre...) apenas da casa e dos montes que me haviam visto medrar. Algures numa gaveta, esquecidas pelas pressas e pela dor, gotas do meu suor devem agora pedir meças ao bicho carpinteiro na voragem pelo pau-preto dessa arca de Noé que a minha mãe deixou por acabar.

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Apenas me resta esta redacção dada à estampa nos calores da Revolução. Fiquem como eu: estupefactos perante o reaccionarismo de um puto de onze anos, além da nula qualidade literária e pouco rigor factual da divagação! Segundo o Fininho, apenas me limitei a pensar pela própria cabeça e a emitir uma opinião. É uma maneira de ver as coisas. E, se calhar, justifica o “Bom”, quando a regra era o “Muito bom”. Mas toda a regra tem excepção! E o ter derrapado a meio também não deve ter ajudado à festa... E a liberdade, Jorge, a liberdade? Onde tinhas a cabeça, pá?

Aqui a deixo, tal e qual como está no papel:

“Redacção: O dia 25 de Abril e o primeiro de Maio

O golpe de Estado deu-se no dia histórico de 25 de Abril (na madrugada) com as tropas vindas das Caldas, de Santarem, etc.
Mas isto só provocou graves coisas: greves nas fábricas, manifestacões, etc.
E até há coisas impossíveis: os estudantes querem passar sem exames, outros querem aumento de ordenado etc. Se todos quizessem 100 contos por mês daqui a dois meses não havia dinheiro em Portugal
Portanto, eu acho que se devia agir da melhor maneira.
Não devia haver liberdade porque as pessoas abusam dela e é verdade
Ainda no Sábado eu fui jogar a bola para o Estádio Nacional estavam lá dois rapazes de bicicleta por cima da relva e um homenzinho disse-lhes esta frase extraordinária
- Não abusem da liberdade, meninos!
E tinha razão para dize-la
Algumas pessoas dizem: o bacalhau está caro o arroz tambem etc mas trabalhar para ganhar dinheiro não é com elas
Se todos pensassem assim: Vamos lá aqui produzir mais um bocado para ver se ganhamos mais já não havia tantos problemas
E ainda há outra coisa pior:
São os nossos territorios ultramarinos que podemos perde-los de um dia para o outro
E isto pode ser uma crise muito grande para Portugal porque é de lá que vem grande parte dos nossos produtos e muitos dos quais nós não temos cá: café, cana-de açucar, bananas, algodão, sizal, diamantes etc e ainda petroleo que é uma coisa importantissima porque se ninguem nos quiser f”

É impressão minha ou estas linhas são assustadoramente proféticas? Adiante...

Já agora, para quem ficou intrigado com o castelo do “post” anterior, aqui fica o génio de Fernando Pessoa, num português muito “assambado” (sob reserva, já que não consegui confirmar ser ele o autor deste poema):

Ser feliz

"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar
irritado algumas vezes, mas não esqueço
de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena
viver, apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos
problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser
capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

A Internet é, de facto, um grande espaço de liberdade e cidadania, toda a aventura humana ao alcance de um clique do rato. Quantos euros não teríamos de gastar para levar para casa 1040 poemas de Fernando Pessoa? É de borla em:

http://www.revista.agulha.nom.br/pessoa.html

Alguém falou em guião?!... Não tenho emenda, é o que é!

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

15 julho 2007

Reencontrar o caminho das palavras

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Quase um ano! Ausente. De mim, de vós, de ti... bazar da vida entregue à tua própria solidão. Um viver sem respirar, batidas de coração que clamam pela morte. Como deves sofrer, como deves odiar-me por este virar de costas que te foi empurrando, mais e mais, para um vazio de palavras! Eu sei, eu sei... tens fome e sede e o deserto não tem miragens nem óasis... Apenas esta areia escaldante que se faz duna, e montanha, e precipício - e se desfaz em lágrimas secas que gritam a tua revolta a cada solavanco dos ventos...

Olha, sabes?, de vez em quando perguntam-me por ti. Tu conhece-los: o Ricky, a Inês, a Zé, o Rafael, a Vera, o António... até mesmo o Joaquim, que te fazia seres um pãozinho quente pela manhã! E eu, que te dei ao mundo, enterro os ombros no meu desnorte e esboço o sorriso amarelo com que te prego ainda mais à tua cruz. Não merecias tal désdita. Tu foste sonho feliz nos meus olhos, aventura desfraldada na ponta dos meus dedos. Quisemos o horizonte e esporeámos a imaginação, medos e fantasmas enfiados debaixo do braço. Desculpa! Tu, assim é que está certo, ousaste tocar o Sol. Eu, eu acagacei-me e desterrei-me para parte incerta de glacial nenhures, agrilhoado a catacumbas bafientas e lúgubres que atamacam sentimentos, secam emoções, calam vivências que se querem partilhadas... Até o silêncio se faz morto por estas paragens!

Mas sempre o filho pródigo à casa torna. Filho que é também pai: o teu! Peço-te - e peço-me - que abras a porta e me deixes abrir-te o alforge onde me fui guardando para ti. Não tenho ouro nem cordeiros para fazermos a festa do regresso. Olho, remexo lá bem no fundo e trago na mão apenas esperança e desejo. De reencontrar o caminho das palavras, esses rebentos de Tágides minhas que de mim se apartaram, essas ilhas de amores desencontrados que me fervem o sangue e me empurram para ti. Sim! Para, juntos, testemunharmos o milagre da nossa ressureição. Afinal, já a brisa da tarde é beijo de Tágides minhas que a mim retornam, já o beijo é estalada forte a incitar ao caminho. E como este se faz caminhando, parta-se e caminhe-se, enfrentando cada curva, guardando cada pedra do castelo futuro que Pessoa prometeu construir em cada um de nós! Por agora, viajemos pela poesia de António Ramos Rosa, nesta ode às promessas que as palavras em si guardam...

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As palavras e o desejo

Por vezes perdem a sombre
e rodam pálidas sem a seiva do vento
Raramente vêm carregadas de frutos, de pedras e flores
ou apenas do seu silêncio de fogo.
Quando as línguas indolentes nos envolvem
na espuma das suas sílabas
é que os olhos do mundo nos olham através das imagens
e o enigma se aproxima silencioso e cúmplice
do nosso abandono deslumbrado
no volume côncavo do tempo.
Mas por vezes as palavras já não reflectem qualquer luz
e descem por escadas negras
até às primeiras águas e às redondas sombras
em que o silêncio é o puro silêncio sem imagens.

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E como nem só de versos nos alimentamos, eis um blogue que conheci através do “Expresso”:

http://expresso.clix.pt/COMUNIDADE/blogs/sinais_vitais/.

Um médico a meter os pés pelo Oriente e o resultado é um monumental fresco da condição humana, poderoso na captação dos mais ínfimos pormenores, poético no amor pelas vidas que à sua frente se mostram. Ou será ao contrário?

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...