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Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

17 novembro 2005

O FILME DO DIA - O grande combate

O grande combate/Cheyenne autumn (EUA, 1964, cor/2.20:1, 154m, *****, Canal Hollywood, 14h00).

Foi em 1939. Nesse ano de todos os prodígios (1), o western ganhou carta de nobreza. Pela mão de John Ford. Depois de "Cavalgada heróica/Stagecoach", o cinema jamais foi como antes. Cowboys, pistoleiros, canalhas sem lei nem grei, jogadores de póquer, Wyatt Earp e Doc Holliday na elegância do "Stetson" preto a direito na cabeça, índios sedentos de escalpes, donzelas em perigo, cavalgadas pelas pradarias, bangs e silvos de flechas, o 7º de Cavalaria, carruagens sulcando a erva alta, diligências em fuga, saloons e assaltos a bancos, prostitutas de voz rouca e coração de ouro, cavaleiros solitários que se diluem no horizonte ao pôr-do-Sol, ele e ela na charrete rumo à felicidade, John Wayne e Gary Cooper, Henry Fonda e James Stewart, foram passando do celulóide para os nossos corações, de simples imagens para matrizes fundadoras de imaginários diversos, de "factos" para lendas. Como muito tempo depois iria dizer Ford, nesse canto do cisne que é “O homem que matou Liberty Valance”: «When the legend becomes fact, prints the legend».

O filme de hoje é, quase, a negação de tudo isto. O sopro épico que Ford imprimia aos seus westerns dá lugar a uma desilusão profunda, o lirismo desencanta-se em penoso sofrimento, os heróis morreram e somente as damas conservam pitadas de inocência. Após quase 30 anos a matar peles-vermelhas, John Ford assina aqui um monumental desagravo à nação índia, nesta história do último combate possível: a fuga dos Cheyenne das reservas, numa jornada longa de 1500 quilómetros para uma morte digna na terra dos seus antepassados. Dos milhares que partiram, somente umas poucas dezenas pisam solo sagrado. Os outros, os afortunados, tombaram de fome e frio ao lado dos bisontes esfacelados ou abatidos pela insanidade de um major roído pela burocracia e pelo ódio.
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Na vastidão dos 70mm, este é um filme que nos faz doer a alma.
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(1) – 1939 foi também o ano de “E tudo o vento levou/Gone with the wind” e “O feiticeiro de Oz/The wizard of Oz”, ambos de Victor Fleming; de “Ninotchka”, de Ernst Lubitsch; de “Peço a palavra/Mr. Smith goes to Washington”, de Frank Capra. E de mais umas quantas obras-primas que agora não recordo.

Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

10 novembro 2005

Atchiiiiiiim...

“Como é que se trata uma galinha com a gripe das aves? Com uma canjinha quente”

“Como ser atendido rapidamente e de borla num hospital?

1 - Dirija-se às urgências de um qualquer hospital.
2 – Diga que sente frio, que está farto de espirrar todo o dia, que a cabeça lhe parece um bombo, que o corpo está que nem massa de pão amassada e o mais que lhe vier à cabeça.
3 – Refira, a propósito, que lhe morreram as galinhas todas.

Fazem-lhe logo todos os exames inventados e por inventar....e com sorte ainda aparece na televisão.”

Rir! Eis uma das melhores invenções da Humanidade. Pois, parafraseando o conhecido provérbio, quem ri seus males espanta. E confesso que, aqui pelas minhas bandas, a casa quase vinha abaixo com as gargalhada cavernosas e incontroláveis que me escaparam boca fora. Tenho este defeito, não consigo domar o riso, o que é que querem?...

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Risadas à parte, as televisões mais parecem cães de fila: mal abocanham o osso já não o largam. Mesmo que não tenha carne e tenha sido sugado até ao tutano. O que interessa é promover a cultura do medo, a indústria do medo. Em nome das sagradas audiências. Abrem telejornais com a notícia da morte de umas quantas aves em Peniche, para depois se verificar que gripe das aves nem espirrá-la. E não se pode exterminá-las? As TV's, está bom de ver…

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Boas gargalhadas. Fiquem bem. Cuidado com as galinhas. Elas andam por aí… E nós vemo-nos por aí…

09 novembro 2005

Um pouco mais de azul...

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Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Mário de Sá-Carneiro)

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Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

03 novembro 2005

O FILME DO DIA - Intriga internacional

Intriga internacional/North by northwest (EUA, 1959, cor/1.66:1, 136m, *****, RTP Memória, 22h00) de Alfred Hitchcock com Cary Grant, Eva Marie Saint, James Mason, Leo G. Carroll, Martin Landau.

Um dos supra-sumos da arte de Hitchcock, de novo às voltas com o seu tema de eleição: o falso culpado. E, talvez mais do que noutros filmes do mestre, o registo é quase de comédia, lúdico, o prazer de fazer e ver cinema à solta em cada fotograma.

Roger Tornhill (Cary Grant) é um publicitário bem sucedido, escritório na baixa de Manhattan, elegante, despreocupado, dir-se-ia mesmo algo infantil por influência de uma mãe castradora. Um dia, por confusão de identidades, é envolvido numa sinistra trama que o leva ao edifício das Nações Unidas onde, veja-se o azar!, a pessoa com quem ia falar lhe morre nos braços. Na sua inocência, Tornhill tira-lhe a faca das costas. Num hall apinhado de gente. Touché! Hitchcock carrega a fundo no acelerador. Polícia e criminosos à perna, Tornhill em fuga desesperada durante as próximas duas horas, uma mulher (Eva/Eve Marie-Saint) que o tenta ajudar (e mais não digo…), um ataque com um avião num descampado que parece um prelúdio de “Os pássaros”, a morte à espreita no abismo do Monte Rushmore. E, no plano final, o herói fica com a garota! E, mais uma vez, Hitchcock fica a rir-se. Porque quando surge o “The end” sobre o nada discreto beijo é que percebemos: foram 136 minutos de guerra dos sexos, das saias da mãe para o regaço de Eva!
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Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

01 novembro 2005

Aos nossos amores...

A minha irmã é amiga da Inês, que é amiga do João, que tem um blog. E estamos apresentados!

Ora acontece que, um destes dias, o João escreveu um pequeno texto sobre amor e paixão. Eu comentei e acrescentei uns poemas da minha lavra que se adequavam ao espírito do texto. Mal sabia eu que há um limite de caracteres para os devaneios comentaristas de cada um. Lixei-me! Um poema e um terço de outro foi o que sobrou. Deste modo, por respeito aos leitores do João – e não andará por aqui ponta de narcisismo?... -, reproduzo o meu comentário e os poemas sem cortes.

“De facto, João, o amor é prado fértil para o poeta, para o ser sedento de amor, que em nós encontra abrigo. Até eu – que, para a escrita, conto tanto como um zero à esquerda –, nos tempos de inocência e de (des)ilusão em fazer das palavras correia de transmissão dos tumultos da alma, dizia que até eu andei metido em poemas de amor, ou românticos, ou lá como se queira chamar-lhes. Aqui ficam 2 ou 3 exemplos. Vá lá, não batam muito no ceguinho!...”

AMAR

Um homem e uma mulher...
Corpos e espíritos
Que se tocam,
Que se fundem...

A entrega total...
Amar às escuras
No coração da noite...

Cuba, 29/8/89


Sonho de uma manhã de Verão

Caminho...
O areal deserto faz-se a meus pés,
espraia-se até ao horizonte,
lá ao longe, quase perdido de vista...
altaneiras vagas namorando o promontório,
golpes de vento aspergindo-as em mil beijos,
sequiosas plantas entranhando salpicos de vida...
grãos roliços soprados ao céu,
sementeira de estrelas...
Aqui, na praia,
o oceano vem adormecer
sob os meus passos...
marulhos lânguidos
e sussurantes de um aroma a sal e coisas vivas,
adocicado
e logo ternamente agreste como o sangue de Baco...
delírio!, eis que me habitam
reflexos de uma orquestra de sereias
valsando ao sabor
do respirar de Neptuno.
Uma gaivota risca o céu,
levada pelas carícias da brisa que sopra ligeira...
pas de deux, o Sol
bordejando Avalon (1)
ao encontro do seu sono de guerreiro!
Caminho...
É um fim de tarde sereno e cálido...
fugazes, frágeis migalhas de tempo,
sinto-me Alice mergulhando pela toca do coelho!
As mãos perderam-se-me nos bolsos dos calções
e os meus olhos,
distraídos, langorosos,
divertem-se a seguir o voo
dos punhados de areia que ceifo a cada passada.
É um fim de tarde sereno e cálido...
goles de tempo que fluem
na esperança
sempre adiada mas nunca perdida
de tropeçar num qualquer pedaço do Graal!... (2)
Caminho...
Dou por mim
a mirar o meu rasto,
esses meus arranhões no tempo,
essas feridas na areia
que as águas vão sarando,
como se o próprio passado
ali estivesse a ser engolido,
e remendado...
Dou por mim na contemplação
do tempo
que tenho ainda para carpir,
da areia
que tenho ainda para calcorrear,
e confesso aos meus botões
aquela sensação divertida
de lá em cima
alguém de mim gostar!
Um veleiro passa ao largo...
sento-me abraçado aos joelhos,
dedos enterrados na veludez da areia,
saboreando as recordações
daquele verão distante...
um bando traquinas,
jangada tosca lançada às ondas,
espada de plástico na mão,
venda no olho,
o mar pela frente,
uma princesa acenando da praia,
peitos estremecendo de coragem,
um imperturbável comandante à proa,
os remos batendo na água,
e lá partíramos nós à conquista
do reino do génio da lâmpada...
os adultos, coitados!,
apenas se permitiam ver
um rochedo inerte
a uma dezena de metros da praia.
Excitante livro florira
da memória para a minha pena;
os miúdos, pelo menos, gostavam...
Sorrio um sorriso diafáno
e tranquilo
que se esvanece no ar.
Ali fiquei,
com o veleiro, o Sol, a gaivota e a miragem de Avalon,
e os fogos celestes ateando-se
na vigília por Artur... (3)
"Apanhei-te!",
e só tive tempo de ver
uma sombra abater-se sobre mim.
Mergulhámos praia abaixo,
gritos, gargalhadas, areia na boca,
entrámos mar dentro,
um caranguejo enterrou-se na vasa,
o nosso olhar encontrou as estrelas,
brincámos...
"Apanhei-te, bandido, apanhei-te!",
e aquela voz límpida troava nos ares,
o Alexandre aos saltos sobre mim,
um dedo ameaçador apontado à minha testa.
"Rendes-te?"
"Nem penses, Alex!"
e libertei-me,
e corremos,
e chapinhámos na água,
e as balas de areia que fizemos!,
e fugimos um do outro,
e mais gritos, e gargalhadas, e ameaças,
e andámos às voltas, e aos ziguezagues,
e aos ésses, e às curvas,
e mais balas de areia,
e mais voltas, e ziguezagues, e ésses, e curvas,
e tropeçámos,
e caímos arquejantes lado a lado...
O piratinha aproximou-se...
apoiou a cabeça no meu peito,
beijou-me,
as palavras eivadas de um sorrir matreiro:
"Papá, a mamã mandou-me chamar-te para jantarmos"
Fiz-lhe cócegas na barriga,
olhei por cima do ombro
na direcção das dunas.
No alpendre,
encostada a uma trave,
ela...
cabelos soltos,
candura esguia no rosto,
gotas de champanhe gelado escorrendo dos lábios,
Steinbeck na mão,
o roupão aberto esvoaçando,
os primeiros acordes daquela música...

Abro os olhos.
Fecho-os, atordoado.
É o maldito sol
que entra a jorros pelo buraco que outrora foi uma janela.
É a brisa escaldante
que me dardeja a carne nua.
É a língua pastosa e gretada
daquele whisky reles que teimo em beber.
É aquela dor na nuca
que um dia veio e jamais me largou.
É o odor pestilento
de mijo de cão enovelado no meu suor.
É a ladainha roufenha
do tráfego na rua para lá do pátio...
Abro os olhos,
de novo e lentamente.
Tento mexer-me,
o catre geme
...eu também.
Às apalpadelas,
dou com a garrafa tombada no chão,
cuspo a rolha,
bebo um trago,
engasgo-me...
a sorte é que já não devo durar muito.
Mais um trago.
Acho montes de piada...
à lâmpada suspensa do tecto,
ao estuque a cair,
ao cancro esverdeado que vai comendo as paredes...
a máquina lá está a um canto,
abandonada há não sei que tempos,
pelos vistos há bastante,
a folha já esmaeceu...
ao lado a carta do meu editor,
boa pessoa, claro!,
por ele tudo bem,
podíamos esperar que o inferno gelasse,
o problema são os miúdos,
(os dele, claro!)
dá-lhes para crescer cada dia que passa...
Merda, que se lixe...
Pois, que se lixe!
Deixo-me ficar...
as baratas e o Litlle Mickey
farejam pelos cantos do quarto
na pista de uma côdea de pão...
muito finos,
as baratas
e o Litlle Mickey
- não tocam em whisky reles.
Outro trago,
e procuro os cigarros,
lembro-me de os espalhar pela cama
ontem à noite...
o lençol húmido,
o toque peganhento de uma liga...
fodas, a cabra mamou-me metade do whisky
e ainda me desapareceu com a porra dos cigarros...
nada a fazer,
a vida é assim...
o álcool dá-me para fazer filosofia barata,
é uma espécie de defesa,
um refúgio,
talvez uma fuga,
talvez...
talvez como aquele postal ilustrado da baía de Tóquio,
que guardo debaixo do colchão...
manhãs esquecidas a revirá-lo nas mãos,
à espera de um olhar que lá não mora,
à escuta de palavras que não podem ser ditas,
em demanda de sentimentos há muito perdidos...
o sebo comeu quase todas as palavras,
a um canto ainda resta
"Beijos. Sílvia, Pedro e Ale..."
Fico a olhar...
entorpecido,
cheio de pena de mim próprio,
amor e ódio,
lágrimas e gargalhadas histéricas
digladiando-se,
mutuamente se fertilizando,
um dilema a que o fundo da garrafa põe cobro.
Atiro-a pela janela...
Talvez hoje consiga escrevinhar qualquer coisa de jeito.

Queluz, 16-5-90
6-6-90

1 - Na mitologia céltica, Avalon era uma ilha para lá do horizonte, porto de abrigo das barcas que transportavam as almas dos cavaleiros mortos.

2 - O Santo Graal, na mitologia céltico-cristã, era a taça por onde Jesus bebeu o vinho da última ceia; diz-se que aquele que dele beber atingirá a felicidade e paz absolutas.

3 - O rei Artur, símbolo máximo da mitologia céltica.


Dezassete Primaveras

Uma menina
De sandálias
Vestidinho
Olhar que brota da alma
Sorriso meigo
E voz doce de mel.

Uma menina
Que tantas
E tantas vezes
Sentei ao colo
E por entre histórias e jogos
Percorremos em imaginação
Aquela estrada de tijoleira amarela...

Nas solarengas tardes de verão
Que me temperaram o crescer...

Ia na rua
As brumas da memória rasgaram-se
Uma singela orquídea
Chamou pelo meu nome.

As suas pétalas
Não se abriram para mim!

As suas pétalas
Não se abrem para mim!...

Cuba, 5/5/90


Penso na Tua existência
Procuro-me nela.
Tapo os olhos
Só assim te vejo.
Pico um dedo
Não sinto
Só te sinto.
Corres à procura de cigarros.
Fumaremos
Fumamos?
Fumámos.

Vieste!
Não
Não vieste.
Quando foste
No teu andar desengonçado
E evitaste à justa
A caca do cão
Eras um sonâmbulo
Um morto e um vivo
Uma alma penada quiçá
Com a vaga ideia
De um maço de SG Ventil
Para comprar.
Eu bem vi
Deixaste-te no quiosque
Ao escorrer das moedas.
Quando vieste
SG Ventil nas mãos felizes
Eras a criança
Dentro de ti
Adormecida.
Toma!
O SG Ventil e um beijo.
Caracóis ao vento
Redescobriste-te
Criança traquinas
Tomando por baloiço
Uma pernada da hera
E um banco de jardim.

Onde terá ele ficado?
O SG Ventil!
O Sol na ponta do cigarro
A dor do fogo
Fugiste ao fumámos
Fumei.
Nem o fumo te tocou
Permanecias criança de baloiços
Num jardim de bancos.

Mas não te contentaste.
Na tua traquinice voaste
De galho em galho
De banco em banco
De adeus em adeus...
Nem o fumo ousava tocar-te!
Rasgado sorriso de menino
Os teus baloiços eram
Agora
As estrelas!

Cândida Côxo e Jorge Vargas
Principe Real, Lisboa, 17/5/91


Olá, lembrei-me de ti!
Que parvoíce, que tremendo disparate
Na pequenez do meu verbo...
Porque, mais do que simples recordação
Eu sinto-te, viva e carnal
Eu amo-te, poetisa e mulher
Na corrente do meu sangue
Na vibração da minha carne
Na explosão de um orgasmo...
E desejo-te
Oh!, desejo-te loucamente...
Furiosamente
Esventrar o teu corpo
Fundir-me, aniquilar-me nele
Pela calada da noite!
E depois
Serenos, tranquilos
A fome um do outro amainada
Os corpos embriagados comungando em silêncio
Sairmos os dois para a floresta
As mãos dadas sob as luvas quentes
O bafo morno da nossa respiração desenhando elfos e duendes no ar
Um vento gelado, miudinho, perpassando pelas folhas dos abetos
O eco surdo dos nossos passos sobre a neve perdendo-se ao longe
Um veado entrevendo-se na bruma
- Que bom se fossem os portões de Avalon! -
Um beijo e amo-te
O teu nome e o meu
Cândida e Jorge
Devolvidos num murmúrio
Seguimos caminho,
Talvez acenemos a alguma rena no céu...
Um dia de Natal feliz
Na certeza de um poema na algibeira!

Queluz, 17-12-93

O FILME DO DIA - Tarzan, o homem-macaco

Tarzan, o homem-macaco/Tarzan the ape man (EUA, 1932, pb/1.33:1, 99m, *****, RTP 2, 20h15) de W. S. van Dyke com Johnny Weissmuller, Maureen O'Sullivan, Neil Hamilton, C. Aubrey Smith, Doris Lloyd, Cheetah.

O restolhar dos passos, as catanas a abrirem caminho através do mato, as aves esvoaçando de copa em copa, os carregadores negros, alguém que tira um lenço do bolso e estanca a correnteza do suor, rugidos ao longe, a rapariga que perde a compostura, o corajoso explorador que lhe oferece o ombro de caqui, a paragem para matar a sede, mais mato esventrado, o leão pronto a abocanhar, o estampido da espingarda, o retomar da marcha, as cataratas cantantes de frescura, mão ao alto a indicar o poiso das emoções, cobiças de ouro, tribos caça-cabeças, aquele grito sincopado a desafiar a pujança da selva, a miúda debaixo do braço, e isto de acordar em cima de um ramo ao lado de um pedaço de carne crua deve gelar o sangue que se farta!, a fome a falar mais alto que todos os medos, frutas várias a minarem a desconfiança, seres que se descobrem iguais a socos no peito e no imortal “Mim Jane, tu Tarzan”, as correrias de liana em liana, os mergulhos no cristalino dos lagos, a vida por uma faca bem cravada no coração de uma qualquer fera, carnais beijos em contra-luz no cimo do penedo… E as gargalhadas irónicas da Cheeta a convocarem a inocência do nosso olhar!

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Foi em 1932 e aqui nascia a saga do homem-macaco. Eu e quantos milhões de crianças como eu não entranhámos África na massa do sangue, na matriz dos nossos sonhos, com este “serial” de aventuras exóticas mais do que com a banda desenhada de Edgar Rice Burroughs? Muito por culpa de Johnny Weissmiller, antigo campeão de natação que a MGM foi buscar para dar vida a Tarzan. Aqueles músculos, o porte a um tempo rude e altivo, o sorriso gaiato a fazer-nos o auto-retrato no preto e branco da tela! E Maureen O’Sullivan a desdizer Cheeta, a perder roupa no correr dos fotogramas, olhos sempre a desviarem-se para os bíceps de Tarzan, num erotismo subterrâneo que escapou às brigadas dos bons costumes! Um clássico, pois claro!

P.S. – Tenham o telecomando à mão e apressem-se a tirar a cor à TV se a cópia for daquelas esquizofrenicamente tintadas, nunca percebi para quê!

Outras sugestões:
- Pequenos guerreiros/Small soldiers (EUA, 1998, cor/2.35:1, 108m, ****, TVI, 14h00) de Joe Dante com David Cross, Jay Mohr, Gregory Smith, Jacob Smith, Kirsten Dunst.
- Gémeos/Twins (EUA, 1988, cor/1.85.1, 105m, ***, 15h00, Hollywood) de Ivan Reitman com Arnold Schwarzenegger, Danny DeVito, Kelly Preston, Chloe Webb, Bonnie Bartlett.
- A marca do terror/The tall T (EUA, 1957, cor/1.37:1, 78m, ***, 17h00, Hollywood) de Budd Boetticher com Randoph Scott, John Hubbard, Maureen O’Sullivan, Henry Silva, Richard Boone.
- O sargento de ferro/Heartbreak Ridge (EUA, 1986, cor/1.85:1, 130m, ****, Hollywood, 18h30) de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Marsha Mason, Everett McGill, Moses Gunn, Mario Van Peebles.
As asas da águia/The wings of eagles (EUA, 1957, cor/2.35:1, 110m, *****, TCM, 20h00) de John Ford com John Wayne, Dan Dailey, Maureen O'Hara, Ward Bond, Ken Curtis.
- A vida é bela/La vita è bella (Itália, 1997, cor/1.85:1, 116m, *****, RAI UNO, 20h00) de Roberto Benigni com Roberto Benigni, Nicoletta Braschi, Giorgio Cantarini, Giustino Durano, Lidia Alfonsi.
- O campeão/The champ (EUA, 1979, cor/1.85:1, 121m, ***, TCM, 23h15) de Franco Zefirelli com Jon Voight, Faye Dunaway, Ricky Schroder, Jack Warden, Arthur Hill.
- O aventureiro de Cincinnati/The Cincinnati kid (EUA, 1965, cor/1.85:1, ****, Hollywood, 23h30).

Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí…