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Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

09 junho 2006

No princípio, foi o pecado...

Em 1508, por encomenda do Papa Júlio II, Miguel Ângelo iniciou uma das suas obras mais grandiosas – a decoração do tecto da Capela Sistina, no Vaticano. Doze frescos e muita tinta depois, Miguel Ângelo chegou a um dos mitos mais poderosos da cultura ocidental e deu-nos este O pecado original e a expulsão do Paraíso (1509-1510).

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Porquê esta demora? Em primeiro lugar, é preciso não esquecer que Miguel Ângelo é, acima de tudo, um escultor. Antes desta encomenda papal, contam-se pelos dedos de uma mão os quadros que dele se conhecem. Perante a importância do tema a abordar, é natural que tenha decidido ganhar experiência, alterando a cronologia bíblica e ocupando-se primeiro de outros temas. Tanto mais que a abóbada da Capela Sistina se encontra a uns bons 20-30 metros de altura e, para que as cenas sejam visíveis do solo, é necessário um bom domínio da perspectiva e da composição pictórica. De facto, observando os frescos anteriores, verifica-se um progressivo domínio do espaço, do traço e da cor, até atingir a profundidade e monumentalidade deste O pecado original e a expulsão do Paraíso.

O que mais impressiona neste fresco é a combinação, num só plano, de dois momentos distintos sem que haja qualquer descontinuidade espacial ou temática. Nesta história, há claramente um antes e um depois, há a tentação e há o tempo de sofrer as consequências desse acto.

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O momento da tentação é particularmente rico em pormenores. Um dos mais surpreendentes é a própria figuração do pecado. A serpente não é representada como tal, nem só com cabeça de mulher, mas sim com corpo feminino que encontra o seu reflexo na posição reclinada de Eva, a sugerir a sensualidade e o erotismo habitualmente associados ao pecado. Miguel Ângelo, contudo, baralha os dados e distribui a culpa por todos: Adão, ele próprio, ergue-se para colher o fruto da árvore proibida em vez de apenas aceitar a maçã das mãos de Eva. Aliás, basta olhar para aqueles corpos para perceber isso mesmo: são corpos com músculos, com carne, com volume – são corpos com vida, que despertam o desejo, o erotismo, o amor talvez! Ou será por acaso que Adão se parece tanto com Apolo, o deus grego do amor?

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Depois, é o castigo por desobedecerem a Deus. Adão e Eva são expulsos do Paraíso pelo anjo, simbolizando aqui a vingança, que parece surgir da árvore – tal como a serpente!

Adão e Eva são expulsos para onde? Para uma terra nua e fria. E aqui revela-se o génio de Miguel Ângelo: os dois momentos da história estão no mesmo plano da pintura, sugerindo uma continuidade no tempo e no espaço. E como consegue isso? Simplesmente prolongando o céu e a terra para a direita da composição.

Essa terra nua e fria contrasta claramente com o espaço do Paraíso, um espaço acolhedor marcado pelo tronco da árvore, pela ramagem e pelas rochas. O conjunto sugere claramente uma “casa”, um abrigo, significando isso a protecção divina. Pelo contrário, fora do Paraíso há apenas espaço vazio. E é esse o castigo: Adão e Eva ficaram entregues a si próprios, sem o amparo e a protecção de Deus. As consequências do pecado são bem visíveis nos seus rostos envelhecidos e sofredores, nos seus corpos quase sem vida, no gesto de auto-protecção de Eva. Mas, afinal, Miguel Ângelo tem piedade dos seus personagens, tanto mais quanto ainda lhes resta um pouco da inocência primitiva: a habitual folha de parreira a tapar o sexo de Adão ficou na árvore!

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

4 Comments:

Blogger susana said...

jorge parabéns, está espectacular!Mas sabes que denoto um certo ar masculino nessa Eva, demasiados músculos e formas pouco curvilíneas.Um rosto também pouco feminino!Parece mais um homem com umas pretuberâncias a simular seios.A maior parte dos artistas são homossexuais, talvez ele tenha intencionalmente pintado dois Adãos.
beijos

domingo, 11 junho, 2006  
Blogger Jorge Vargas said...

Agora que falas nisso, fui ver as fotos e acho que tens uma certa razão. Talvez seja da reprodução, que não está suficientemente nítida. Ou talvez seja o que dizes: Miguel Ângelo resolveu gozar com a religião e pintou dois homens... Já não estou é de acordo com a tua afirmação de que a maior parte dos artistas são homossexuais. O que tem a arte a ver com as escolhas sexuais de cada um - que, ainda por cima, parece terem uma forte componente genética (TAC's feitos a cérebros de Homo e heterossexuais revelam nítidas diferenças anatómicas).

Beijinhos

segunda-feira, 12 junho, 2006  
Blogger susana said...

Jorge talvez haja uma certa verdade no que disse,porque um homem sem o lado feminino, talvez não conseguisse exprimir emoções tão belas e intensas.Daí que esses que o conseguem fazer sejam na maior parte das vezes homossexuais.Oscar wilde por exemplo!Mesmo leonardo da vinci á quem acredite que possa ter sido homosssexual etc. Mas claro que isso não lhes tira forma alguma a glória da obra!

segunda-feira, 12 junho, 2006  
Blogger Jorge Vargas said...

Susana, eu não disse que não há artistas homossexuais. Dúvido é que a maior parte o seja. Mas, para termos a certeza, teríamos que lhes perguntar - pelo menos, aos que ainda estão vivos! O que, além do incómodo causado, seria uma seca de todo o tamanho.

Claro que, para se ser artista, tem que se possuir uma enorme sensibilidade para tomar o pulso às coisas do mundo e dos homens e mulheres que o habitam. Devido a uma influência hormonal - a mulher tem mais progesterona que o homem, no qual prevalece a testosterona -, essa sensibilidade e o seu corolário (a expressão desinibida das emoções) manifesta-se mais no sexo feminino. Os homens que mostram idêntico comportamento têm níveis de progesterona acima da média. Não está provado, de modo nenhum, que isso os induza ou leve a sentir atracção sexual por homens. Até porque a sexualidade é um fenónemo complexo, impossível de reduzir a uma explicação linear: resulta de uma "salada" de influências genéticas, ambientais e culturais.

Ah!, é verdade: tenho uma dívida de gratidão para contigo. És a única pessoa que comenta o que escrevo.

Beijinhos

terça-feira, 13 junho, 2006  

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