Uma sinfonia dos possíveis...
Naquele tempo, não éramos todos viciados em telenovelas. Nem a paranóia securitária semeava lampiões em cada canteiro de flores. Por isso, ao correr da noite que se desembrulhava sobre a planície, a sopa de beldroegas reclamava os seus vagares e sussurrávamos às estrelas os nossos desejos. À soleira da porta ou deitado nos bancos do jardim, de calções e tronco nu a entranhar a fornalha do dia, garoto feliz de olhos perdidos lá em cima, a boca cheia de perguntas - aí começou o romance entre mim e os fartos seios de Hera!
Depois, fui aprendendo. Que o Sol é uma estrela e que as luzinhas no céu são outros sóis, só que muito, muito distantes. Que a Terra é um planeta, irmão de outros oito que valsam em redor do Sol, gosto de imaginar que ao som do Danúbio Azul de Strauss. Decorei os seus nomes e, fatalmente, deixei-me enfeitiçar por Marte. O Verão dos meus treze anos foi mágico. Pela primeira vez na História, fizemos aterrar dois veículos num mundo longínquo. Uma atrás da outra, as sondas Viking pousaram no planeta vermelho e eu vi-me, dois meses inteirinhos, dentro de um filme de "suspense". Dia sim dia não, pelos jornais da tarde (religiosamente comprados e recortados), Marte fazia-se vivo ou definhava, os canais de Lowell jorrantes de água ou uma princesa exalando o derradeiro suspiro, os seus olhos ao encontro dos meus no negrume do espaço – assim as análises químico-biológicas ao solo disparavam ou emudeciam os contadores das Viking. Sabemos hoje que Marte teve água no passado e que, afinal, os canais de Lowell eram resultado, não de uma titânica empreitada pela sobrevivência, mas do laborioso trabalho da Natureza. Os jornais, ávidos de notícias frescas, encenaram uma retirada estratégica e a minha primeira grande aventura de exploração e descoberta morreu na praia! Mas nem por isso as paisagens marcianas deixaram de ser menos empolgantes. O monte Olimpo, por exemplo! Do alto dos seus 24 quilómetros, é o maior vulcão do sistema solar. E as fotos tiradas pelo simpático "robot” Sojourner revelam-nos um quadro impressionista banhado de ocres e vermelhos.
Dessa missão a Marte, ficou-me o fascínio pelo espaço e uma curiosidade insaciável. Apaixonei-me pela Ciência como meio de encontrar resposta para os enigmas que me queimavam os lábios. E, no fim da adolescência, tive a sorte de ver e ler Cosmos, de Carl Sagan. A minha Bíblia, humanista e visionário como poucos livros o conseguem, decisivo no travejamento final da minha personalidade, desta minha muito peculiar maneira de ser e estar na vida. Porque temperou com humildade a mente de um adolescente que, embora com enorme coração, tinha a verdade científica como infalível medida de todas as coisas. De facto, quase negando o seu título, Cosmos não é um livro de astronomia. É um poema sobre o Universo e as suas maravilhas – e sobre a íntima relação entre nós e esse Cosmos do qual nascemos e fazemos parte. “Pó de estrelas reflectindo sobre as estrelas”, assim nos define Carl Sagan. Essa humildade intelectual evoluiu para um profundo amor, para um gratificante deslumbramento por todas as coisas. Do mais remoto “quasar” ao sorriso de uma criança. Temos o dever de amar e defender tudo isto. Com todas as nossas forças e todo o nosso entendimento. Se estamos aqui, neste planeta (postos por Deus ou por Darwin, para o caso é irrelevante), seria um crime não sentirmos na pele a essência deste universo em que vivemos, que pode não ser perfeito mas é terrivelmente belo.
Na “nave da imaginação” de Sagan rumei às profundezas do espaço. Visitei galáxias de todos os tamanhos e feitios; estrelas solitariamente vagabundas; sóis que pulsam como um farol; outros que desaparecem numa explosão gigantesca, colossais abismos no grande oceano entre as estrelas; nuvens interestelares de gás e poeira, embriões de sonhos futuros; sistemas planetários orquestrados pela elegância das equações de Kepler; mundos de gelo e de fogo; e, finalmente, este frágil globo azul, o lar planetário da nossa espécie - uma artimanha do Cosmos para se conhecer a si mesmo! E, hoje, temos naves verdadeiras a caminho das estrelas. Deram-nos as loucas tempestades de areia de Marte, a superfície engelhada de Ganímedes a revelar um oceano interior ou o azul-turquesa de Plutão. Embaixadores nossos na corte de Zeus, as sondas Pioneer 10 e 11 e Voyager 1 e 2 navegam agora na solidão do espaço interestelar, "robots" semi-inteligentes levando consigo saudações da Terra e dos homens. Oxalá por trás do brilho de uma qualquer estrela haja alguém à escuta!
Chegámos longe, sem dúvida. Nos últimos 500 anos descobrimos tanto sobre o Cosmos e o nosso lugar nele! Mergulhámos do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. Fruto do nosso esforço e da nossa perseverança, da nossa natural tendência para averiguar o porquê das coisas, temos vindo a construir a utopia de que um mundo melhor é possível. E é, de facto! Basta querermos e lutarmos por isso, contra a apatia de muitos e os interesses instalados de alguns. Por isso, recuso-me a acreditar que nada possamos fazer para que milhões de crianças não morram à fome todos os anos. Por isso, recuso-me a aceitar que, no nosso "portfolio", figurem imagens como a deste rapazinho indiano a carregar tijolos.
Por isso, vos deixo aqui este apelo a esta marcha de cidadãos que ainda acreditam no futuro
Depois, fui aprendendo. Que o Sol é uma estrela e que as luzinhas no céu são outros sóis, só que muito, muito distantes. Que a Terra é um planeta, irmão de outros oito que valsam em redor do Sol, gosto de imaginar que ao som do Danúbio Azul de Strauss. Decorei os seus nomes e, fatalmente, deixei-me enfeitiçar por Marte. O Verão dos meus treze anos foi mágico. Pela primeira vez na História, fizemos aterrar dois veículos num mundo longínquo. Uma atrás da outra, as sondas Viking pousaram no planeta vermelho e eu vi-me, dois meses inteirinhos, dentro de um filme de "suspense". Dia sim dia não, pelos jornais da tarde (religiosamente comprados e recortados), Marte fazia-se vivo ou definhava, os canais de Lowell jorrantes de água ou uma princesa exalando o derradeiro suspiro, os seus olhos ao encontro dos meus no negrume do espaço – assim as análises químico-biológicas ao solo disparavam ou emudeciam os contadores das Viking. Sabemos hoje que Marte teve água no passado e que, afinal, os canais de Lowell eram resultado, não de uma titânica empreitada pela sobrevivência, mas do laborioso trabalho da Natureza. Os jornais, ávidos de notícias frescas, encenaram uma retirada estratégica e a minha primeira grande aventura de exploração e descoberta morreu na praia! Mas nem por isso as paisagens marcianas deixaram de ser menos empolgantes. O monte Olimpo, por exemplo! Do alto dos seus 24 quilómetros, é o maior vulcão do sistema solar. E as fotos tiradas pelo simpático "robot” Sojourner revelam-nos um quadro impressionista banhado de ocres e vermelhos.
Dessa missão a Marte, ficou-me o fascínio pelo espaço e uma curiosidade insaciável. Apaixonei-me pela Ciência como meio de encontrar resposta para os enigmas que me queimavam os lábios. E, no fim da adolescência, tive a sorte de ver e ler Cosmos, de Carl Sagan. A minha Bíblia, humanista e visionário como poucos livros o conseguem, decisivo no travejamento final da minha personalidade, desta minha muito peculiar maneira de ser e estar na vida. Porque temperou com humildade a mente de um adolescente que, embora com enorme coração, tinha a verdade científica como infalível medida de todas as coisas. De facto, quase negando o seu título, Cosmos não é um livro de astronomia. É um poema sobre o Universo e as suas maravilhas – e sobre a íntima relação entre nós e esse Cosmos do qual nascemos e fazemos parte. “Pó de estrelas reflectindo sobre as estrelas”, assim nos define Carl Sagan. Essa humildade intelectual evoluiu para um profundo amor, para um gratificante deslumbramento por todas as coisas. Do mais remoto “quasar” ao sorriso de uma criança. Temos o dever de amar e defender tudo isto. Com todas as nossas forças e todo o nosso entendimento. Se estamos aqui, neste planeta (postos por Deus ou por Darwin, para o caso é irrelevante), seria um crime não sentirmos na pele a essência deste universo em que vivemos, que pode não ser perfeito mas é terrivelmente belo.
Na “nave da imaginação” de Sagan rumei às profundezas do espaço. Visitei galáxias de todos os tamanhos e feitios; estrelas solitariamente vagabundas; sóis que pulsam como um farol; outros que desaparecem numa explosão gigantesca, colossais abismos no grande oceano entre as estrelas; nuvens interestelares de gás e poeira, embriões de sonhos futuros; sistemas planetários orquestrados pela elegância das equações de Kepler; mundos de gelo e de fogo; e, finalmente, este frágil globo azul, o lar planetário da nossa espécie - uma artimanha do Cosmos para se conhecer a si mesmo! E, hoje, temos naves verdadeiras a caminho das estrelas. Deram-nos as loucas tempestades de areia de Marte, a superfície engelhada de Ganímedes a revelar um oceano interior ou o azul-turquesa de Plutão. Embaixadores nossos na corte de Zeus, as sondas Pioneer 10 e 11 e Voyager 1 e 2 navegam agora na solidão do espaço interestelar, "robots" semi-inteligentes levando consigo saudações da Terra e dos homens. Oxalá por trás do brilho de uma qualquer estrela haja alguém à escuta!
Chegámos longe, sem dúvida. Nos últimos 500 anos descobrimos tanto sobre o Cosmos e o nosso lugar nele! Mergulhámos do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. Fruto do nosso esforço e da nossa perseverança, da nossa natural tendência para averiguar o porquê das coisas, temos vindo a construir a utopia de que um mundo melhor é possível. E é, de facto! Basta querermos e lutarmos por isso, contra a apatia de muitos e os interesses instalados de alguns. Por isso, recuso-me a acreditar que nada possamos fazer para que milhões de crianças não morram à fome todos os anos. Por isso, recuso-me a aceitar que, no nosso "portfolio", figurem imagens como a deste rapazinho indiano a carregar tijolos.
Por isso, vos deixo aqui este apelo a esta marcha de cidadãos que ainda acreditam no futuro
(http://www.amnistia-internacional.pt/):
“Marcha contra a Fome 2006
A Marcha Mundial Contra a Fome é uma manifestação global anual destinada a promover a sensibilização e recolher fundos para os programas que tentam solucionar o problema da fome infantil, numa parceria de solidariedade social com o World Food Program da ONU. 300 milhões de crianças em todo o mundo sofrem de fome crónica e, havendo alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial durante meio século, ainda assim a fome é causa de morte de 6 milhões de crianças anualmente, quando pode ser fornecida uma refeição escolar a uma criança com fome pela quantia irrisória de 16 cêntimos por dia.
“Marcha contra a Fome 2006
A Marcha Mundial Contra a Fome é uma manifestação global anual destinada a promover a sensibilização e recolher fundos para os programas que tentam solucionar o problema da fome infantil, numa parceria de solidariedade social com o World Food Program da ONU. 300 milhões de crianças em todo o mundo sofrem de fome crónica e, havendo alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial durante meio século, ainda assim a fome é causa de morte de 6 milhões de crianças anualmente, quando pode ser fornecida uma refeição escolar a uma criança com fome pela quantia irrisória de 16 cêntimos por dia.
Em 2005 os fundos recolhidos foram suficientes para alimentar 70 mil crianças em idade escolar durante um ano. Este ano mais de 300 Marchas estão agendadas em mais de 100 países de todo o mundo, estando África a bater todos os recordes com milhares de pessoas a marcharem em prol da luta contra a fome.
Tendo em vista ajudar a recolher fundos para esta causa, António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados marchará em Lisboa; Sir Bob Geldof assinou tshirts e dvds que mais tarde estarão à venda no Ebay; a Ministra do Desenvolvimento Dinamarquesa marchará em Copenhaga e os atletas olímpicos da Maratona Robert Korzeniowski e Samson Ramadhani marcarão presença na Polónia.
A Marcha Contra a Fome terá este ano cenários lindíssimos como a Praça Vermelha, na Rússia; o Palácio de Versalhes, em Paris; e o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia. As imagens irão ser difundidas por todo o mundo, com grande cobertura mediática, e depois compiladas num dvd conjuntamente com algumas fotografias.
Este ano você pode fazer a diferença e juntar-se a nós na Marcha para a erradicação da fome infantil e participar no maior desafio logístico e humanitário de sempre: ajudar a alimentar o mundo.
Locais e Hora: No dia 21 de Maio, às 10h00, na Torre de Belém (Lisboa), no Cais de Gaia (Porto), nas Portas da Cidade (Ponta Delgada) e no Peter Café Sport (Horta).
Inscrições: Balcões do BES; Lojas Sportzone; TNT; Peter’s Cafe Sport; e no próprio local no dia da partida.”
Vamos lá a arregaçar as mangas. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...
2 Comments:
Jorge
A prostituição infantil é um problema que choca muito mais que a fome, mas nem por isso podemos esquecer que grande parte das crianças do Brasil estão abaixo da linha de pobreza e aliás, esse é um dos motivos dessa exploração sexual infantil. Viu os dados Da PNAD de 2004?
Um abraço
Marco Aurélio
Marco, com o devido respeito, permita-me que o corrija: a prostituição infantil é um problema que choca TANTO como a fome.
Um abraço também.
Jorge
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