.comment-link {margin-left:.6em;}

Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

27 outubro 2005

O FILME DO DIA - A leste do paraíso

A leste do paraíso/East of Eden (EUA, 1955, cor/2.55:1, *****, RTP Memória, 22h00) de Elia Kazan com James Dean, Julie Harris, Raymond Massey, Richard Davalos, Jo Van Fleet

E Caim afastou-se da presença do Senhor e permaneceu na terra de Nod, a leste do paraíso.

Image hosted by Photobucket.com

Sob as letras garrafais do genérico, nesgas de terra, nesgas de mar. A música desce dois tons e ouvimos as ondas quebrando-se contra a costa. Uma legenda, a toda a largura do Cinemascope, situa-nos: as montanhas que entrevíramos ao longe separam duas cidades, Monterey e Salinas, na Califórnia, a 25 quilómetros uma da outra. O mote está dado: cada personagem deste filme é pasto de insondáveis abismos de alma, dolorosos, dilacerantes, intransponíveis a não ser por um qualquer supremo sacrifício. A divisão, pois, não é apenas física. Está lá, onde nos bate o coração. Mas isso só o saberemos mais à frente...

O ano é 1917 e uma sequência de imagens leva-nos dos campos para o centro de Monterey. Entretanto, lá atrás, ao lado de Julie Harris e Raymond Massey, um nome desconhecido dos devoradores de genéricos: James Dean. Um travelling segue uma mulher, vestida de negro e com um véu. Contracampo, a mulher entra pela direita e, no canto esquerdo, sentado à beira do passeio, um corpo e um rosto. Um corpo caído sobre os braços cruzados, um rosto que antevemos repositório de amarguras, uns olhos de gato-bravo apanhado numa qualquer armadilha da vida. E assim começámos a amar James Dean.
Image hosted by Photobucket.com
E agora, porque o estúpido do tracking não atinava e porque a memória já me falha, dou a palavra ao João Bénard da Costa – que, milhentas vezes melhor do que eu, já tanto falou sobre este filme.

“Damos de caras com um adolescente, filmado em plano médio aproximado, de pull-over amarelo gema de ovo, camisa e calças brancas. A mulher passa por trás dele, ele volta-se para a seguir com os olhos e levanta-se. Pouco depois, vemos uma bandeira americana a voar ao vento, arbustos a agitarem-se e só algum tempo depois (o tempo da entrada no bordel e da visão desse efémero e espantoso personagem que tem algo de Gata Borralheira, o tempo de uma pedra atirada), ela fala: “What do you want of me?”. Assim nasceu James Dean, ao canto dos cinemascopes, agitado, louro, tenso, intenso, ligado à mãe e à terra, num primeiro gesto de revolta e amarga violência. Ainda não tinha idade para entrar em casas daquelas, onde queria "just talk to her” e dizer-lhe que a odiava. E ao longo de todo o filme (raros são os planos em que não está presente) Dean passa já da imagem ao mito. Se “A leste do paraíso" é um filme mítico, deve-o a James Dean, em Monterey nascido, entre campos e bordéis.

(...)

O título reenvia-nos à Bíblia (“E Caim afastou-se da presença do Senhor e permaneceu na terra de Nod, a leste do paraíso”). Só que, no texto sagrado, Caim só o faz depois de ter morto Abel, o primogénito que invejava e de quem tinha ciúmes. Aqui, quando Caim (Caleb – James Dean) “mata” Abel (Aron) é quando regressa desse “a leste do paraíso” em que até aí estivera. A revolta explicita contra o pai e o “assassinato” simultâneo da mãe e do irmão (“Mother, this is your other son” “Brother, this is your mother. Say allo to Mammy”) conduz Dean ao interior. Destruídos Lilith (Kate, a mãe e a mulher pecadora) e Abel, é possível o regresso à casa paterna (a Adão) e à mãe e à mulher pura (Eva-Abraão). A família reconstitui-se, com a eliminação do “outro” (o irmão) simultaneamente face ao pai e a Abram, e com a eliminação da “outra”, a mulher de rosto tapado pelo véu, fisicamente parecida com o filho que o pai amava. Ficam de fora as duas faces do espelho (confrontar com a magnífica sequência em que Dean visita a mãe) e Dean reencontra na mulher que era do irmão a Mulher e a Mãe, e no pai que só amava o irmão, o Pai.

Ambiguamente, a aceitação dá-se e a célula reconstitui-se como no mito primordial. Mas até aí o que vemos é a crescente perdição e a crescente crispação do filho que se sabe rejeitado e que se sabe “filho da mãe” (o que conhece, contra o que desconhece). E Dean suportou a revelação (com que começa o filme) enquanto Aron morre dela. Como a mãe suportou o encontro com Caleb (o filho que moralmente a continuava) e não suporta o encontro com o “filho do pai” que fisicamente era igual a ela”

Basta acrescentar que James Dean receberia aqui a sua primeira nomeação para o Óscar. Mais dois filmes (“Fúria de viver” e “O gigante”) e os deuses o reclamariam. Morreu a 30 de Setembro de 1955, ao volante de um Porsche. O mito, esse, já nos alimentava retina e coração.

Outras sugestões:
- Parque Jurássico/Jurassic Park (EUA, 1993, cor/1.85:1, *****, Canal Hollywood, 21h00) de Steven Spielberg com Sam Neil, Laura Dern, Joseph Goldblum, Ariana Richards, Joseph Mazzello
Image hosted by Photobucket.com
- Topázio/Topaz (EUA, 1969, cor/1.85:1, ****, SIC Mulher, 23h00) de Alfred Hitchcock com Frederick Stafford, Dany Robin, Claude Jade, Michel Piccoli, Philippe Noiret

Bons filmes. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

26 outubro 2005

Quando Shakespeare encontra actores em estado de graça...

Após desferir o golpe final em Júlio César, Brutus dirige-se ao povo. Da escadaria do Senado, justifica o seu acto como uma tentativa desesperada de salvar a República e devolver a liberdade e o porte digno a todos os romanos. Agora, Brutus vai-se retirar para dar a palavra a Marco António que, conforme combinado entre ambos, irá fazer o elogio fúnebre de César. James Mason (Brutus) fora soberbo no papel de homem ferido nos seus ideais. Marlon Brando, contudo, nesta oratória de dez minutos pelo seu imperador quase consegue roubar o filme a toda a gente. Na impossibilidade de aqui colocar um clip com essa sequência, deixem-me partilhar convosco o discurso de Marco António (vou tentar aliviar a péssima tradução brasileira e descartar as indicações cénicas).
Image hosted by Photobucket.com

“BRUTUS – Caros concidadãos, é meu desejo voltar só para casa; peço-vos, porém, que por amor de mim fiqueis com António. Prestai honras ao corpo, aqui, de César, e ao discurso em que António há-de suas glórias enaltecer, o que lhe permitimos. Encarecidamente a todos peço que, a não ser eu, ninguém daqui se arrede até que Marco António haja falado.
1º CIDADÃO – Ficai todos! Ouçamos Marco António.
3º CIDADÃO – Subi à tribuna! Vamos escutá-lo. Nobre António, subi.
Image hosted by Photobucket.com
ANTÓNIO – Muito agradecido vos fico, por amor, tão-só, de Brutus.
4º CIDADÃO – Que disse ele de Brutus?
3º CIDADÃO – Que agradecido ficava a todos nós por amor dele.
4º CIDADÃO – Será bom que não diga nada contra o nome de Brutus.
1º CIDADÃO – Que tirano foi esse César!
3º CIDADÃO – Justo. Para Roma, foi grande bênção ficar livre dele.
2º CIDADÃO – Ficai quietos! Ouçamos Marco António!
ANTÓNIO – Generosos romanos...
CIDADÃOS – Psiu! Ouçamo-lo.
ANTÓNIO – Amigos, Romanos, compatriotas, escutai-me! Venho sepultar César, não fazer-lhe elogios. Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com os seus ossos fica enterrado. Deixemos que seja assim também com César. O nobre Brutus disse-vos que César era um ambicioso. Se o foi, realmente, grave falta era a sua, tendo-a César gravemente expiado. Com licença de Brutus e dos presentes – porque Brutus é um homem honrado, como o são os restantes, todos homens honrados – venho dizer algumas palavras no funeral de César. César era muito meu amigo, fiel e justo; mas Brutus diz que ele era ambicioso, e Brutus é um homem honrado. César trouxe muitos cativos para Roma, cujos resgates o tesouro encheram. Nisso se mostrou César ambicioso? Às súplicas dos pobres, os olhos de César enchiam-se de lágrimas. A ambição parece ser de índole mais dura. Mas Brutus diz que ele era ambicioso, e Brutus é um homem honrado. Vós o vistes nas Lupercais: três vezes lhe apresentei uma coroa de rei, que três vezes ele recusou. Seria isto ambição? Todavia, Brutus diz que ele era ambicioso, e Brutus é sem dúvida um homem honrado. Contestar não pretendo o nobre Brutus; só vim dizer-vos o que realmente sei. Todos vós o amastes em tempos, e não teria sido sem motivo. Que motivo, então, vos impede hoje de o chorar? Ó raciocínio, foste albergar-te nos animais bravios, tendo os homens o uso perdido da razão! Perdoai-me, esperai com paciência! O meu coração jaz ali, junto de César, e tenho de calar-me até que ele torne para mim.
1º CIDADÃO – Há muita razão no que ele diz.
2º CIDADÃO – Pensando bem, César praticou muita injustiça.
3º CIDADÃO – Mas que injustiça, senhores? Temo que quem vier depois seja pior.
4º CIDADÃO – Haveis reparado no que disse António? Recusou a coroa. Logo, é certo não ter sido ambicioso.
1º CIDADÃO – Isso provado, muita gente terá de pagar caro!
2º CIDADÃO – Pobre homem! Tem os olhos vermelhos como fogo, de tanto chorar!
3º CIDADÃO – Não existe em Roma outro mais nobre do que António!
4º CIDADÃO - Atenção! Vai falar de novo.
ANTÓNIO – Ainda ontem a palavra de César teria podido enfrentar o Universo Agora jaz ali, sem que ante o seu cadáver se curve o mais humilde. Ó cidadãos! Se estivesse eu disposto a rebelar-vos o coração e a mente, espicaçando-os para a revolta e para a ira, seria injusto para com Brutus e para com Cassius, que, todos o sabeis, são homens honrados. Não lhes farei essa injustiça! Prefiro ser injusto para com o morto, para comigo próprio e para vós outros, do que para com homens tão honrados. Mas tenho aqui um pergaminho com o selo de César, que encontrei no seu gabinete. Trata-se do seu testamento. Permiti que o povo saiba o que diz – se bem que, perdoai-me, não tenciono lê-lo – e todos irão beijar as feridas do cadáver de César e embeber os lenços no seu sagrado sangue! Sim, mendigareis um só dos seus cabelos como relíquia e, ao morrerdes, deixá-lo-eis em herança, como um rico legado aos vossos sucessores.
4º CIDADÃO – Desejamos ouvir o testamento. Lede-o, António.
CIDADÃOS – O testamento! O testamento! Queremos ouvir o testamento de César!
ANTÓNIO – Tende paciência, amigos, mas não devo lê-lo! Não convém ficardes sabendo quanto César vos amava. Não sois feitos de pau, nem de pedra, sois homens; e, como homens, ao ouvirdes o testamento de César, ficaríeis exacerbados pela indignação. Não é conveniente saberdes que sois vós os seus herdeiros, pois se o soubésseis, oh!, o que não poderia acontecer!
4º CIDADÃO – Lede o testamento! Lede o testamento de César, António! Tendes de nos ler o testamento de César!
ANTÓNIO – Sereis pacientes? Ficareis um momento tranquilos? Fui demasiado longe dizendo-vos o que disse. Temo prejudicar os honrados cidadãos cujos punhais feriram César. Receio!
4º CIDADÃO – São traidores! Homens honrados? Nunca!
CIDADÃOS – São vilões e assassinos. O testamento! A sua última vontade! Lede o testamento!
ANTÓNIO – Forçais-me a ler o testamento? Sendo assim, formai um círculo em volta do cadáver de César e deixai-me mostrar a quem ele fez o testamento. Dais-me licença que desça? Consentireis que o faça?
CIDADÃOS – Descei.
2º CIDADÃO – Podeis descer.
3º CIDADÃO – Estais autorizado a fazê-lo.
4º CIDADÃO – Formai um círculo. Colocai-vos em redor
1º CIDADÃO – Afastai-vos do cadáver!
2º CIDADÃO - Lugar a António, ao mui nobre António!
ANTÓNIO – Não, não vos aproximeis tanto de mim. Ficai à distância!
CIDADÃOS – Recuai! Espaço! Recuai!
ANTÓNIO – Se lágrimas tiverdes, preparai-vos para as derramar agora! Conheceis esta túnica. Ainda me lembro quando César a estreou. Foi numa tarde de Verão, na sua tenda, no mesmo dia em que venceu os Nérvios. Olhai! Por aqui entrou o punhal de Cassius! Vede o rasgão deixado pela adaga do invejoso Casca. E por este o feriu o seu muito amado Brutus. E, ao retirar o ferro maldito, como o sangue de César acorreu a esta janela aberta na carne, como que a certificar-se de que fora realmente Brutus quem vibrara o golpe; porque Brutus, como o sabeis, era o anjo de César. Julgai vós, ó deuses!, com que ternura César o amava. De todos, foi esta a ferida mais dolorosa de todas, pois quando o nobre César viu que também Brutus o atacava, a ingratidão, mais do que o braço dos traidores, aniquilou-o! Foi nesse momento que estalou o seu forte coração. E, cobrindo o rosto com o manto, ali caiu o grande César, aos pés da estátua de Pompeu, agora inundada de sangue. Oh, que queda, caros concidadãos! Eu, e vós, e todos, nesse instante caímos, enquanto triunfava a traição, rubra de sangue. Oh! Vejo que chorais, que sois sensíveis à piedade: abençoadas lágrimas derramais. Mas chorais tanto, bondosas almas, só de a túnica verdes do nosso César, assim, cheia de rasgões? Olhai, então, para aqui! Aqui jaz ele próprio, trespassado, como vedes, pelos traidores.
1º CIDADÃO – Oh, lamentável espectáculo!
2º CIDADÃO – Oh, nobre César!
3º CIDADÃO – Oh, dia fatal!
4º CIDADÃO – Oh, traidores, vilões!
1º CIDADÃO – Sangrento quadro!!
2º CIDADÃO – Queremos vingança!
CIDADÃOS – Vingança, já! Procurai, queimai, incendiai, matai, degolai! Que não fique vivo um só traidor
ANTÓNIO – Sossegai, compatriotas!
1º CIDADÃO – Silêncio! Ouçamos o nobre António!
2º CIDADÃO – Ouvi-lo-emos! Segui-lo-emos, com ele morreremos!
ANTÓNIO – Bons amigos, caros amigos, que não seja eu a levar-vos a uma súbita revolta, a uma ira desnecessária. Aqueles que consumaram o crime são homens honrados. Que secretas razões tiveram para o fazer, ai de mim, não sei. O que os levou a isso? São homens sensatos e honrados, todos eles, e decerto apresentarão as suas razões. Não venho, amigos, excitar os vossos ânimos. Eu não sou bom orador, como Brutus. Sou, como todos sabeis, um homem franco e simples, que era amigo do seu amigo, e isto, sabem-no bem aqueles que me deram autorização para falar dele publicamente. Porque não tenho talento, nem eloquência, nem mérito, nem estilo, nem gestos, nem o dom da palavra que inflama o sangue dos ouvintes, e contento-me em falar tal como falo, simplesmente, dizendo-vos apenas o que todos sabeis; mostro-vos as feridas do bondoso César, estas pobres bocas mudas, e são elas a falar por mim! Mas se eu fosse Brutus, e Brutus fosse António, esse António haveria de exasperar os vossos ânimos e, a cada uma das feridas de César, uma voz dar, capaz de comover e amotinar cada uma das pedras de Roma.
CIDADÃOS – Revolta, sim! Revolta!
1º CIDADÃO – Queimemos a casa de Brutus.
3º CIDADÃO – Partamos, então, sem demora. Procuremos os traidores.
ANTÓNIO – Escutai ainda mais algumas palavras, compatriotas!
CIDADÃOS – Silêncio! Que fale António, o mui nobre António!
ANTÓNIO – Correis assim, amigos, e nem sabeis porquê. Que vos fez César para merecer tanto os vossos afectos, para ser por vós amado a tal ponto? Ah!, ainda o ignorais! Devo então dizer-vos! Esquecestes o testamento de que vos falei!
CIDADÃOS – É verdade! É verdade! O testamento! Fiquemos para ouvir o testamento!
ANTÓNIO – Aqui o tendes, ainda com o selo de César. César deixa a cada um de vós, cidadãos romanos, setenta e cinco dracmas.
2º CIDADÃO – Nobilíssimo César! Vingaremos a sua morte!
3º CIDADÃO – Oh, real César!
ANTÓNIO – Tende paciência e escutai-me.
CIDADÃOS – Silêncio!
ANTÓNIO – Além disso, deixou-vos os seus passeios públicos, os seus caramanchões privados e os seus jardins deste lado do Tibre. Sim, deixou-vos, para sempre, para os vossos herdeiros, como pontos de usufruto comum, para que neles pudésseis passear e distrair-vos. Foi um César, realmente! Outro igual, quando teremos?
1º CIDADÃO – Nunca! Nunca! Sigamos para a praça sagrada, a fim de o corpo ali queimarmos e, com os tições, as casas incendiemos de todos os traidores. Carreguemos o corpo.
2º CIDADÃO - Trazei fogo.
3º CIDADÃO - Derrubemos os bancos.
4º CIDADÃO - Derrubai janelas, cadeiras, o que for.”

Os cidadãos de Roma carregam agora o corpo de César, enquanto Marco António, lentamente, lhes vira as costas e começa a subir a escadaria do Senado. A expressão de Brando é ambígua, algures entre a satisfação cínica e o temor pelo futuro. Que tudo isso se manifeste na face de um actor, não é obra de somenos.

A peça “Júlio César”, de William Shakespeare, está disponível para “download” em: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook

Fiquem bem. Vemo-nos por aí...

25 outubro 2005

O FILME DO DIA - Júlio César

Júlio César/Julius Caesar (EUA, 1953, pb, 120m, *****, RTP Memória, 22h00) de Joseph L. Mankiewicz com James Mason, Marlon Brando, John Gieguld, Louis Callhern, Deborah Kerr.
Image hosted by Photobucket.com
Talvez a mais feliz das adaptações de Shakespeare ao Cinema, pela mão de um cineasta que tinha justamente a palavra como essência do seu labor. Filme onde a fome de poder e a consciência moral se digladiam sem vitória possível, onde o não dito é quase tão ensurdecedor como o dito, onde um simples olhar se revela um veneno mortal, no sublime preto e branco em tons de cinzento da fotografia de Joseph Ruttenberg, espelho das sombras e fantasmas que cada personagem carrega aos ombros. E. claro!, um Marlon Brando de estarrecer, nesse Marco António que pega em César ao colo depois de assassinado por Brutus (James Mason), desce a escadaria do Senado e o deposita aos pés do povo, desejoso de atirar o cadáver aos cães. Marco António junta-se-lhes no coro e começa o espectáculo: um discurso que parte da negação de César enquanto homem e imperador para chegar à sua glorificação enquanto salvador de Roma e deus. Por esta altura, já os cidadãos se desfazem em lágrimas e clamam a reparação da injustiça: querem Marco António no trono. Dez minutos de ficar com os cabelos em pé, só de ver o duelo de Brando com a câmara de Mankiewicz. Se não soubesse que era cinema e que naquele tempo não havia máquinas de filmar, ia jurar que se trataria de algum comício em directo do Senatorium. Ou não transpirasse "Júlio César" política por todos os poros, nesses anos 50 do Senador McCarthy e da sua caça às bruxas!
Image hosted by Photobucket.com

Fiquem bem. Vemo-nos por ai...