Tivemos um sonho...
Detesto cama! Sempre foi assim, até onde a memória alcança. Feitio ou compulsão fisiológica, mal abro os olhos tenho que me levantar. Afastar os cobertores é viver o mundo, partir à descoberta do que o correr do tempo me trará, tornar-me mais rico de vivências e, por isso, mais pessoa. Não consigo ficar ali estendido a dançar o vira com os lençóis!
Na quinta-feira, bolas!, o despertador a comer os minutos e eu nas tintas. Virei-lhe costas, puxei a almofada, a custo enterrei-me ainda mais no breu da cama. Descobri-me exaurido de forças, passado a ferro por um gigantesco rolo da massa. Sabia que estava na hora de me meter no duche e fazer-me à vida, essa mesma que não espera por ninguém nem se compadece com os nossos flutuantes humores. Em vez disso, afundei o nariz no que restava da espuma da noite, desalentado, os olhos a recusarem-se a despertar para o fim de um sonho... Um sonho a verde e vermelho desfeito por um capricho do tempo. Se o Ricardo se tem lançado para a bola um centésimo de segundo antes, outro galo cantaria! E se o árbitro tivesse a balança da justiça bem calibrada, também havia meio “penalty” sobre o Ronaldo! E se aquela cabeçada do Figo não batesse na trave. E se o Deco estivesse em dia sim...
E se, depois desta floresta de dilemas existenciais, Portugal tivesse marcado um ou dois golos – oh, meu Deus!, como teria sido bonita a festa, pá! Depois do épico jogo com a Inglaterra, comecei a acreditar que era desta. Finalmente, iamos a uma final do Campeonato do Mundo de Futebol. Não que tivesse grande importância, não que fosse uma questão de vida ou de morte. Mas... ou muito me engano ou um pouco de felicidade nunca fez mal a ninguém, nem consta que seja motivo de escândalo ou desprezo. Excepto para os que acham que a felicidade dos outros só é completamente feliz se for uma cópia da sua. E, depois, veio aquele malfadado “penalty”, talvez um pouco forçado, que nos roubou o direito ao sonho. Ainda se tivéssemos morrido na praia por um daqueles golos de encher o olho e não por aquele remate pífio do Zidane!
Neste jardim tão enxovalhado e macambúzio, tão parco de motivos para folguedos, a ida a essa final seria um bom escape para o pessimismo que nos corrói os dias. Eu sei que nada resolveria, que os nossos eternos problemas têm lugar cativo nas nossas vidas por muitos e largos anos. Mas como teria sido bom ir à janela e ver um mar de putos a saltar de alegria, bocas cheias de Portugal e esperança no olhar, bandeiras a sorrir ao vento, todo um povo irmanado no saborear desse momento. Por uma vez, os publicitários acertaram no alvo e mais além. A frase "Em cada janela uma bandeira, no relvado uma Nação inteira" remete, não apenas para o rectângulo pátrio, mas para a Nação dos que falam e escrevem a Língua Portuguesa, do Minho a Timor. Tantos e tantos que se reviam e confiavam na Selecção Nacional para tornar um pouco menos cinzento os seus dias.
Escrevo já depois do fim do Campeonato, o abraço dos povos a minguar, a Itália campeã, mágoa na memória por ver Zidane sair pela porta das traseiras e um honroso quarto lugar para nós. Não sei se podíamos exigir que os jogadores trouxessem a taça na bagagem. Os meus conhecimentos técnicos de futebol não me permitem essas miudezas. Mas sei que teria sido bom ver o Figo a descer daquele avião com o sonho de uma vida cumprido, agora que disse adeus à camisola que tanto honrou. E, todavia, tenho a certeza de que todos eles permanecerão imortais nos nossos corações.
Até ao próximo “time to make friends”. Fiquem bem. Vemo-nos por aí...
2 Comments:
Este post sobre futebol, deixa lágrimas nos olhos....estranho!!
Mas eu entendo-te, mais que desportista, sou nacionalista!Desde cedo senti enraisado em mim o amor pela glória da pátria!
Teria sido bom para o orgulho português que anda tão por baixo...
Quero os que me dês os parabéns mo neu blog!!
10 000 visitas ao profile!
beijos
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