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Novas aventuras em mim (menor)

Aventuras em mim (menor)? Escrever é aventura, é incógnita. Viagem de dedos por sonhos, desejos, fantasias, pequenas e grandes coisas sobre mim e o mundo à minha volta. Desejo de partilha, também. De sentimentos, emoções, momentos, vivências, silêncios até. Quanto ao “menor”, é uma brincadeira, um pequeno trocadilho com a nota musical Mi menor. É, também, uma medida da minha humildade, da consciência brutal das minhas limitações como escriba.

23 junho 2005

O corvo

Estando eu nos comigos de mim a divagar sobre a osmose de mundos, sobre realidades paralelas que se sobrepõem e mutuamente se fertilizam (ai aquela casa de banho, ainda a fazer das suas!...), pousaram os meus olhos sobre um dos livros seminais da minha adolescência: "O despertar dos mágicos", de Louis Pawels e Jacques Bergier. Grande parte do livro é dedicada a analisar as raízes esotéricas (bem!, eu queria escrever "esquizofrénicas"…) do nazismo e a erguer castelos no ar sobre civilizações desaparecidas, mundos paralelos e outras palermices. Aliás, na minha biblioteca tenho um metro e meio bem medido de literatura deste tipo. Num rapazola de 15 anos entediado dos bancos da escola, aquela resma de livros era como umas doses de Prozac. Para esquecer…

E, todavia, mora por lá uma pequena história que ilustra essa desorientação que todos sentiríamos ao entrar naquela casa de banho. É contada, na primeira pessoa, pelo antropólogo americano Loren Eiseley. Deixem-me partilhá-la convosco:

«Descobrir outro mundo não é apenas um facto imaginário. Pode acontecer aos homens. Aos animais também. Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento. Vi o facto acontecer a um corvo. Esse corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso e eu dirigia-me, às apalpadelas, para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio, soltando um grito de terror tal que faço votos para nunca mais ouvir coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante toda a tarde. Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim próprio o que teria eu de tão revoltante…

Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espectáculo espantoso, contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um corvo pode conceber: um homem voador…

Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos e reconheço neles a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos…»

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Espero que se tenham divertido. Fiquem bem. Vemo-nos por aí…